O Estado de São Paulo, n.46270, 23/06/2020. Política, p.A14

 

Inquérito vê busca de lucro em atos antidemocráticos

Paulo Roberto Netto

Rayssa Motta

Fausto Macedo

Rafael Moraes Moura

23/06/2020

 

 

Suspeita é que parlamentares, empresários e sites bolsonaristas se associaram em ‘negócio lucrativo’ para divulgar manifestações

Investigados no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a organização e o financiamento de atos antidemocráticos podem ter atuado de forma criminosa para desestabilizar “o regime democrático” com o objetivo de obter ganhos econômicos e políticos. Em decisão que determina quebra de sigilos de 11 parlamentares bolsonaristas, o ministro Alexandre de Moraes disse que as investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR) “confirmam a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”.

A PGR identificou vários núcleos ligados à associação criminosa: organizadores e movimentos, influenciadores digitais e hashtags, monetização e conexão com parlamentares. Na avaliação da Procuradoria, os parlamentares ajudariam na expressão e formulação de mensagens, além de contribuir com sua propagação, visibilidade e financiamento.

“As chamadas redes sociais não são apenas espaço de liberdade de expressão. Os usuários das redes sociais com muitos seguidores podem auferir renda das próprias plataformas a partir de seguidores que arrebanham, o universo de pessoas que alcançam com suas mensagens, a sua capacidade de influenciar seus seguidores”, afirma a Procuradoria.

Aliados do presidente Jair Bolsonaro podem ter lucrado mais de R$ 150 mil com a divulgação dos atos que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, segundo a PGR. A suspeita é que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuariam em conjunto em um “negócio lucrativo” de divulgação de manifestações contra as instituições democráticas.

De acordo com o vice-procurador-geral, Humberto Jacques, dois canais pró-governo no Youtube, Folha Política e Foco do Brasil, podem ter embolsado até R$ 157 mil com transmissões dos discursos de Bolsonaro em protestos recentes. A arrecadação viria de parcerias, assinaturas, eventuais compras de produtos oferecidos pelos canais e até de anúncios pagos por empresas e órgãos públicos.

“Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigoinimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, diz Jacques.

O vice-procurador cita dados de relatórios de uma empresa especializada em análises estatísticas de páginas do YouTube.