O globo, n. 31781, 11/08/2020. Opinião, p. 2

 

Flávio Bolsonaro ainda deve muitas explicações

11/08/2020

 

 

As atenções com a montagem do governo no final de 2018 terminaram ofuscando o noticiário sobre as descobertas que o Ministério Público do Rio de Janeiro fazia ao investigar a movimentação financeira em gabinetes de deputados da Assembleia Legislativa do estado (Alerj), no rastro da prática da “rachadinha”, o golpe pelo qual assessores de deputados devolvem parte dos salários que recebem, e o dinheiro toma rumos nada visíveis. Se Flávio Bolsonaro imaginou que, eleito senador, estaria fora do alcance das investigações, estava enganado.

Apesar das tentativas de criar obstáculos ao inquérito — algumas com êxito durante certo tempo —, as investigações avançaram e ampliaram o papel do ex-PM Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro, nas traficâncias financeiras em torno do gabinete na Alerj do filho mais velho do presidente, o Zero Um. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já haviam detectado depósitos de cheques de Queiroz na conta da futura primeira-dama Michelle, num total de R$ 24 mil. À época presidente eleito, Bolsonaro explicou: era o pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil, feito por ele ao amigo. Há poucos dias, a revista “Crusoé” revelou que, entre 2011 e 2018, ao menos 21 cheques de Queiroz abasteceram a conta de Michelle. Márcia Aguiar, a ex-foragida mulher do ex-PM, depositou outros cinco. Somaram R$ 89 mil, sobre os quais o presidente até ontem não se pronunciara. Os relatórios do Coaf não mostram nenhum depósito de R$ 40 mil feito por Bolsonaro na conta de Queiroz. Não há, até agora, prova do tal empréstimo.

Flávio justificou assim o pagamento da prestação de R$ 16,5 mil de um imóvel, feito por um outro PM, Diego Sodré de Castro Ambrósio, por meio de aplicativo de celular: foi para evitar que ele saísse de um churrasco, em que ambos estavam, para ir ao banco. Diego, afirmou o senador em entrevista ao GLOBO, foi ressarcido em dinheiro vivo.

Na entrevista, Flávio confirmou também que Queiroz pagou boletos de mensalidades escolares dos filhos e de planos de saúde da família. Imagens da agência bancária da Alerj mostram Queiroz pagando contas em dinheiro vivo.

Em depoimentos prestados no inquérito do MP, a que O GLOBO teve acesso, Flávio disse ainda ter pagado R$ 86 mil, em 2018, por 12 salas comerciais no Barra Prime Offices, também em espécie. A construtora e a incorporadora confirmam. A origem? “Saí pedindo emprestado para o meu irmão, para o meu pai, e eles me emprestaram.”

O tempo passa, e o tráfego de dinheiro vivo, sem origem clara, só aumenta. Flávio deve explicações mais convincentes. Seu pai também. Bolsonaro está à frente de um governo eleito com a promessa de combate à corrupção. Precisa ser cobrado por isso.