Título: Não há confronto
Autor: Abreu , Diego
Fonte: Correio Braziliense, 07/02/2013, Política, p. 2

Depois de declarar por dois dias consecutivos que o Legislativo dará a palavra final sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados no julgamento do mensalão, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), garantiu ontem que “não há hipótese de não cumprir a decisão do Supremo”. O peemedebista se reuniu no começo da tarde de ontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, para uma visita de cortesia. Na saída, o novo comandante da Câmara afirmou que não existe possibilidade de a Casa mudar o mérito da decisão da Corte.

Antecessor de Henrique Eduardo Alves no comando da Câmara, o deputado Marco Maia (PT-SP) defendeu com ênfase, enquanto exerceu o cargo, que cabe ao Legislativo deliberar sobre a perda dos mandatos de parlamentar. Ao ser eleito na segunda-feira, Alves disse que a Câmara decidiria sobre as cassações dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PMDB-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Ontem, porém, ele destacou que a Casa Legislativa cumprirá apenas “formalidades legais”.

“Não há nenhuma possibilidade de confrontarmos com o mérito, questionar a decisão do Supremo. Isso é uma atividade que não se confronta”, frisou o presidente da Câmara, em entrevista no STF, depois de deixar o gabinete de Joaquim Barbosa. “Não há hipótese de não cumprir a decisão do Supremo. Nós só vamos fazer aquilo que o nosso regimento determina que façamos: finalizar o processo. Uma coisa complementa a outra. Não há confronto”, acrescentou Henrique Eduardo Alves.

Durante a reunião a portas fechadas, os presidentes do Supremo e da Câmara não trataram do tema, mas afinaram o discurso em relação a uma agenda conjunta entre os poderes. As declarações do deputado deixam clara a disposição de um afinamento com o Supremo, depois de um ano de 2012 turbulento, no qual a Corte e o Congresso não falaram a mesma língua, principalmente em meio ao julgamento do mensalão, que durou mais de quatro meses. Anteontem, Barbosa tinha dito que não acredita em um eventual descumprimento da ordem do STF.

O presidente da Câmara resumiu o encontro: “Foi uma visita protocolar, muito respeitosa. Vim discutir com ele o que é do nosso maior interesse, uma pauta do Judiciário que nós queremos agilizar e votar”, detalhou o parlamentar. De acordo com Henrique Alves, o impasse relativo aos mandatos dos quatro deputados condenados não causará qualquer crise institucional. “Não há a menor possibilidade. É risco mínimo de qualquer confronto do Legislativo com o Judiciário. Quem pensar diferente, é como diz o dito popular: pode tirar o cavalinho da chuva. É imenso o respeito do Legislativo com o Judiciário e vice-versa, pois somos sistemas basilares, fundamentais da democracia brasileira.”

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse ter ouvido do presidente da Câmara a garantia de que a decisão do Supremo será cumprida. “O presidente Henrique Alves me assegurou que não há qualquer intenção da Câmara de descumprimento da decisão do STF. Tenho certeza que esse é o espirito da Câmara. É uma questão que podemos dar por encerrado”, observou Gurgel em entrevista, ontem, depois da solenidade de posse de Sérgio Kukina no cargo de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Estado de direito Para o ministro Gilmar Mendes, a Câmara poderá deliberar o assunto, mas sem que desobedeça a decisão do Supremo. “Tem formalidades que o texto constitucional exige. Está claro que a Mesa examine e delibere sobre o assunto. No estado de direito temos um princípio não escrito, que é o da lealdade constitucional. Todos nós devemos obediência à Constituição”, enfatizou o magistrado.

Já o vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, avalia que ainda é cedo para debater o assunto, uma vez que a decisão da Suprema Corte só terá efeito depois do trânsito em julgado do processo, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos. “A discussão é prematura. Ela só se colocará em toda sua inteireza quando todos os recursos forem julgados e quando houver uma decisão final por parte do STF.”

“Não há hipótese de não cumprir a decisão do Supremo. Nós só vamos fazer aquilo que o nosso regimento determina que façamos: finalizar o processo” Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara

4 Total de deputados condenados no mensalão: João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PMDB-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP)

Gurgel envia depoimento O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou ontem para o Ministério Público Federal em Minas Gerais a cópia do depoimento prestado em setembro pelo operador do mensalão, Marcos Valério, no qual ele apontou um suposto envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o escândalo. O caso será analisado por procuradores da República em Belo Horizonte, que poderão optar por investigar Lula ou arquivar o caso. Gurgel disse ter enviado o material para Minas porque já existe um procedimento naquele estado decorrente de um desmembramento da Ação Penal 470. No depoimento, Valério afirmou que Lula teria autorizado empréstimos que financiaram o mensalão e que o petista teria recebido dinheiro do esquema para o pagamento de despesas pessoais.

Idas e vindas » Antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal decidir pela perda do mandato dos parlamentares condenados no julgamento, o assunto virou alvo de polêmica entre o Legislativo e o Judiciário, e até mesmo entre ministros da Suprema Corte.

» O então presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirmou em diversas ocasiões que o Legislativo teria a última palavra. Ele dizia não ter dúvida de que a cassação dos deputados seria um assunto de competência exclusiva da Casa.

» Em dezembro, no fim do julgamento, o Supremo definiu por cinco votos a quatro pela cassação dos deputados condenados, definindo que a perda dos mandatos ocorrerá depois do trânsito em julgado do processo. Ou seja, quando não houver mais possibilidades de recursos contra a decisão do STF.

» O debate em plenário foi intenso. Formaram a maioria os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Já Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia entenderam que a Constituição estabelece que cabe somente à Câmara deliberar sobre a cassação dos mandatos de deputados.

» Marco Maia classificou a decisão do Supremo de “ingerência” sobre as atividades parlamentares e não descartou dar abrigo na Câmara aos deputados condenados.

» Eleito na última segunda-feira para o cargo de presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) disse que o assunto seria concluído na Casa.

» Ontem, o novo presidente da Câmara afirmou que não haverá mudança no mérito da decisão do Supremo, o que quer dizer que o Legislativo não irá reverter às cassações. Segundo o deputado, a Câmara cumprirá apenas formalidades legais. Alves descartou a possibilidade de uma crise entre os poderes.