Correio braziliense, n. 20921, 03/09/2020. Política, p. 5

 

STJ mantém Witzel afastado

Renato Souza 

Sarah Teófilo 

03/09/2020

 

 

 Recorte capturado

Por 14 votos a 1, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, ontem, pela manutenção do afastamento de Wilson Witzel, confirmando decisão do ministro-relator Benedito Gonçalves — que na última sexta-feira determinou, de forma monocrática, o afastamento do governador do estado do Rio de Janeiro por 180 dias, com base nos elementos coletados na Operação Tris in Idem, e levou a questão à discussão do colegiado. Contra Witzel, ainda corre um processo de impeachment na Assembleia Legislativa do estado do Rio (Alerj).

A Corte Especial é formada por 15 ministros, incluindo o presidente do STJ, Humberto Martins. Apenas o ministro Napoleão Nunes Maia Filho deu voto favorável ao governador e criticou a ação da Corte, ao salientar que, afastando Witzel, já estavam “julgando e condenando o governador”. Para ele, os colegas atuariam em uma área que é de competência do Legislativo.

“Os políticos é que devem cuidar das coisas de política. Nós, magistrados, devemos cuidar das coisas da Justiça”, disse. No entendimento de Napoleão, a questão cabe à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) analisar onde há um processo de impeachment contra Witzel.

Os demais ministros, no entanto, viram as suspeitas contra o governador como fortes e graves. Francisco Falcão, por exemplo, pontuou que os fatos “merecem apuração”, lembrando que o país vive um cenário de pandemia em que mais de 123 mil pessoas morreram de covid-19. “É impossível que alguém que esteja sendo acusado e investigado possa continuar a exercer um cargo tão importante, de maior dirigente do estado do Rio de Janeiro”, lamentou.

Nancy Andrighi ressaltou a robustez da investigação, dizendo que uma das cautelares possui 12 mil páginas, e o pedido do MPF, 485. Conforme observou, o afastamento de Witzel é “cabível e suficiente para garantir a ordem pública e a instrução criminal”.

Maria Thereza de Assis Moura e Raul Araújo seguiram o relator, mas fizeram um contraponto em relação à decisão de Benedito Gonçalves, afirmando que deveria ter sido discutida pelo colegiado e não poderia ter sido tomada individualmente.

“Trata-se, aqui, de governador de estado, eleito com mais de 4,6 milhões de votos. Embora exista expressa previsão regimental acerca da possibilidade da concessão de forma monocrática, como fez o relator, acredito que, em se tratando do afastamento de autoridade com prerrogativa de foro, eleita pelo voto popular, a submissão dessa matéria à Corte Especial constitui, a meu ver, uma medida de prudência, que, me parece, ostenta maior compatibilidade com o princípio democrático”, defendeu Thereza.

O relator, por sua vez, citou em seu voto o Código de Processo Penal (CPP), no qual estão previstas medidas cautelares, e frisou que tomou a decisão diante da urgência da matéria. No dia em que o ministro determinou o afastamento de Witzel, foi realizada a operação do Ministério Público Federal (MPF), em parceria com Polícia Federal e Receita Federal.

O ministro Og Fernandes, ao proferir seu voto, avaliou como adequada a decisão do colega relator. “Às vezes nós apanhamos da caneta ou do computador para firmar uma decisão que nós não gostaríamos, como pessoas, de ter que tomar. E é exatamente porque nós não somos eleitos pelo voto popular que a nossa legitimidade como poder do Estado se estabelece, exatamente pela possibilidade de decidirmos matérias sem sofrermos o ônus de uma consequência popular ou populista”, explicou.

180 dias

O ministro Raul Araújo observou que as denúncias “maculam” a imagem de Witzel e que, pela gravidade, o afastamento se justifica. Ponderou, no entanto, que o afastamento não precisaria durar 180 dias. O presidente Humberto Martins colocou o tema para ser discutido ao final da sessão, mas o relator manteve o prazo e foi seguido pelos colegas.

Já o ministro Sérgio Kukina, ao seguir o voto do relator, foi além ao votar que o governador deveria ser preso preventivamente, como foi solicitado pelo MPF. Frisou que, na denúncia, o Ministério Público apontou que Witzel seria o “cabeça da sofisticada organização criminosa” –– o que ele diz concordar, com base no que há na denúncia.

Em seu perfil no Twitter, Witzel disse compreender “a conduta dos magistrados diante da gravidade dos fatos apresentados”. “Mas reafirmo que jamais cometi atos ilícitos. Não recebi qualquer valor desviado dos cofres públicos, o que foi comprovado na busca e apreensão. Continuarei trabalhando na minha defesa para demonstrar a verdade e tenho plena confiança em um julgamento justo”, escreveu.

Eleito vice-governador do estado, Cláudio Castro (PSC) mantém-se como governador em exercício. Diferente de Witzel, sua relação não é de embate com a família Bolsonaro.

Declararam-se impedidos para o julgamento quatro ministros: Felix Fischer (um ex-assessor advoga para pessoas investigadas na operação que resultou no afastamento de Witzel), João Otávio de Noronha (filha advoga para pessoas investigadas na mesma operação), Herman Benjamin e Jorge Mussi. Os ministros convocados para o lugar deles são Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi.