Correio braziliense, n. 20921, 03/09/2020. Brasil, p. 6
Governo põe em risco adesão à futura vacina
Bruna Lima
Maria Eduarda Cardim
03/09/2020
No início da semana, o presidente Jair Bolsonaro se envolveu em mais uma polêmica no âmbito do enfrentamento à covid-19 ao afirmar que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Após a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência endossar a fala nas redes oficiais do governo, ontem foi a vez do vice, Hamilton Mourão, reafirmar a opinião do mandatário. Restou ao Ministério da Saúde tentar acalmar os ânimos, ao indicar que, apesar de não ter a intenção de tornar a vacina da covid-19 obrigatória, é necessário destacar que a imunização é, sim, “um grande instrumento para que a gente volte à normalidade.”
A negativa em obrigar a população a se vacinar foi feita por Bolsonaro na segunda-feira. No dia seguinte, a Secom da Presidência repercutiu a resposta pelas redes sociais, frisando que “o governo do Brasil preza pela liberdade dos brasileiros”. Ao falar com jornalistas no Palácio da Alvorada, o vice-presidente Mourão tentou consertar a fala do presidente. “Acho que você pode encontrar gente que não quer tomar a vacina. É o que eu te digo: você vai agarrar à força? Foi isso que ele (Bolsonaro) quis dizer”, explicou, completando: “você não consegue ter a coerção para obrigar todas as pessoas a se vacinarem (…). Não quer dizer que ninguém vai tomar.”
Medida prevista em lei sancionada em fevereiro pelo próprio mandatário, a indicação compulsória da imunização, mesmo sendo apontada como principal estratégia para conter a pandemia, não é prevista pelo governo. “Lembramos, também, que a vacina não é obrigatória, mas vai ser um grande instrumento para que voltemos à nossa normalidade dentro da sociedade”, afirmou, ontem, o secretário-executivo da Saúde, Élcio Franco, ao fim da tradicional coletiva de imprensa que versa sobre o cenário epidemiológico do Brasil no combate ao novo coronavírus.
Franco ressaltou que a pasta continuará a incentivar a vacina para a imunização da população. “Caso contrário, poderemos ter o risco da volta de doenças que já haviam sido eliminadas no país, como aconteceu com o sarampo recentemente”, pontuou. Para ele, a vacinação tem “importância ímpar” na redução ou erradicação de algumas doenças. Na declaração final, o secretário-executivo ainda enfatizou que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil é “um dos mais completos e reconhecidos do mundo.”
O secretário de vigilância em saúde, Arnaldo Correia, reforçou a expertise brasileira quanto aos programas nacionais de imunização. “Nós distribuímos mais de 300 milhões de doses de vacina a cada ano [...]. Esse mesmo programa tem, hoje, a seu dispor, 37 mil postos de vacinação espalhados no país. Portanto, temos uma capilaridade de distribuição de uma eficácia, eficiência e efetividade que faz do Brasil portador de um dos programas de vacinação mais potente, valorizado e reconhecido do mundo”, defendeu.
Constituição
O governo tem poder para exigir a vacinação e a declaração do presidente, de que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, contraria a Constituição, na opinião de especialistas em Direito e Saúde Pública. Para Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), a declaração de Bolsonaro “fere claramente norma expressa na Constituição”, que determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença.
“Se há ordem para que o Estado viabilize políticas que possam reduzir o risco de doenças, ele (o presidente) está impedido de fazer algo contrário a isso. Quando põe em dúvida a obrigatoriedade da vacina, desincentiva ou pratica um ato como esse, eximindo as pessoas de uma obrigação coletiva — o que coloca em risco a saúde da população como um todo —, ele está indo expressamente contra essa previsão constitucional.”
O médico sanitarista Daniel Dourado afirma que a declaração do presidente é preocupante, pois “atrapalha” e “boicota” a atuação dos profissionais de saúde. “Ele está plantando a dúvida sobre algo que é seguro, eficaz, e é uma das tecnologias mais importantes”.
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Não é hora de relaxar
03/09/2020
Diante da queda da média móvel de mortes pelo novo coronavírus observada na última semana, a menor desde maio, é normal que a euforia tome conta dos brasileiros, que se anestesiaram diante das más notícias diárias. No entanto, especialistas recomendam cautela ao pensar em minimizar as ações de isolamento social. Afinal, a quarentena é considerada um dos principais aliados para estabelecer a queda observada na curva de óbitos. Com uma taxa de contágio da doença ainda considerada estagnada, um relaxamento feito sem as medidas de segurança e de forma descontrolada pode fazer com a média volte a subir.
Junto a fatores como taxa de transmissão, incidência, ocupação de leitos e balanço diário de casos e mortes, auxiliam no monitoramento e na análise epidemiológica os números de novos registros de Síndrome Respiratória Aguda (SRAG), já que, 96,7% das infecções e 99,1% dos óbitos referentes ao conjunto de doenças são relativos à covid-19.
O novo Boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), indica que há manutenção do sinal de queda no número de novos registros de SRAG. Ao analisar os números com o fechamento da semana epidemiológica 35, entre as 27 unidades federativas, 19 mostram tendência de curto (análise de três semanas) e longo prazo (avaliação por seis semanas), com sinal de queda ou estabilização em todas as respectivas macrorregiões de saúde.
“Quando olhamos para os dados agregados para o país como um todo, de fato, vemos que há tendência de redução nos casos de SRAG, que são aqueles casos que necessitam de hospitalização ou que vieram a óbito com sinais e sintomas de doença respiratória. Porém, quando vamos olhar os estados, vemos que ainda temos situações muito distintas em cada região”, avalia Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe.
Platô
Embora a maioria das capitais esteja com tendência de queda nos novos casos semanais, Campo Grande (MS) e Palmas (TO) ainda mantêm situação de platô sem ter iniciado queda significativa. Além disso, Macapá e Rio de Janeiro passaram por longo período de queda, mas apresentam nova fase de estabilização em um platô ainda elevado de infecções.
“Tudo isso serve de alerta para que a população e as autoridades saibam que o problema ainda não acabou, infelizmente. Ou seja, ainda é necessário tomar todos os cuidados possíveis como evitar aglomerações, evitar transporte público lotado sempre que possível, manter o uso de máscara. Devemos comemorar o fato de que não estamos mais no período mais crítico de hospitais lotados e falta de leitos, mas temos que saber que só conseguimos essa redução porque aderimos ao distanciamento”, alerta Gomes. (BL e MEC)