O globo, n. 31781, 11/08/2020. Economia, p. 15

 

Administrativa fica para 2021

Geralda Doca

Marcello Corrêa

11/08/2020

 

 

Governo adia mudanças no serviço público à espera de eleições na Câmara e no Senado

 Depois de adiar várias vezes o envio da reforma administrativa ao Congresso, o governo decidiu só encaminhar a proposta no ano que vem. Segundo técnicos da equipe econômica, a estratégia agora é esperar o resultado das eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado para avançar com o projeto. A estratégia de pautar as mudanças no funcionalismo público depois de tratar do sistema de impostos — alvo da reforma tributária — é criticada por especialistas.

De acordo com fontes, o governo teme gastar capital político em ano de eleições municipais, que tendem a influenciar o humor no Legislativo nos próximos meses. Historicamente, entidades que representam servidores públicos exercem pressão sobre parlamentares, dificultando a aprovação de propostas sobre o tema.

O texto do projeto ainda não foi divulgado pelo governo, mas trechos da reforma já foram ventilados pela equipe econômica nos últimos meses. Técnicos têm frisado que as mudanças não afetariam servidores atuais, apenas os contratados após a aprovação da medida.

ESTÁGIO PROBATÓRIO

Um dos principais pontos da proposta elaborada pelo Ministério da Economia é a mudança nas regras de estabilidade para os futuros aprovados em concursos públicos. A ideia é aumentar o período do chamado estágio probatório para até dez anos.

Hoje,servidores recém-contratados passam por três anos de avaliação, período no qual podem ser demitidos por mau desempenho. No ano passado, reportagem do GLOBO mostrou que, entre 2016 e agosto do ano passado, 99,7% dos concursados haviam sido aprovados nesse processo. Ou seja, na prática, todos os servidores obtêm a estabilidade, mesmo após a fase de testes.

Ao ampliar esse prazo, o governo também pretende rever os métodos de avaliação para criar o que chegou a ser apelidado de “trainee do funcionalismo”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também já levantou a possibilidade de que as regras de estabilidade variem de acordo com carreira. Assim, nem todos os servidores fariam jus ao benefício.

AJUSTE PELO LADO DA RECEITA

Em outra frente, a equipe econômica quer acabar com a progressãoautomáticanofuncionalismo.Hoje,33%dosservidores alcançam o cargo máximo em 20 anos, em média. Também está nos planos rever a estrutura dos cargos de nível auxiliareintermediário,como assistente administrativo. Hoje, existem 223 mil servidores nessas categorias. A ideia é reduzir esse número à metade em 15 anos. Para isso, as aposentadorias de posições como datilógrafos e ascensoristas não serão repostas.

Embora o governo afirme que o principal objetivo da reforma administrativa é ganhar eficiência, há uma expectativa sobreoimpactofiscaldamedida. Por isso, tributaristas criticam a estratégia do governo de tratar primeiro do sistema de impostos. Isso indicaria uma intenção de fazer o ajuste das contas públicas pelo lado das receitas e não pelas despesas.

— Você só pode planejar um aumento de arrecadação, quando já ciente de que a despesa é a menor disponível. Se você aumenta a receita primeiro e reduz despesas depois, o que vai fazer com o que sobrou? Vai reduzir impostos em seguida? — indagou o tributarista Ilan Gorin.

Na semana passada, em entrevista ao GLOBO,oex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel também criticou a ordem das reformas proposta por Guedes, por acreditar que a reforma tributária resultará em aumento da carga de impostos sobre determinados segmentos da economia, como o setor de serviços.

O planejamento para encaminhar a proposta de reforma administrativa tem sido marcada por idas e vindas há meses. No ano passado, após a aprovação da reforma da Previdência, o governo começou a sinalizar que enviaria a proposta em sequência.

Guedes afirma que, em novembro, o governo estava pronto para apresentar a medida, mas recuou por um pedido do presidente Jair Bolsonaro, preocupado com a turbulência política na América Latina. A orientação de Bolsonaro, segundo Guedes, foi para que o assunto só voltasse a ser abordado após as festas de fim de ano.

Em fevereiro, o presidente fez nova previsão de encaminhar o texto ainda naquele mês —desde que não houvesse nenhuma “marola”. Na ocasião, ele afirmou que a reforma estava “muito tranquila” e que servidores atuais seriam preservados. A proposta, mais uma vez, não se concretizou.

REFORMA EM FASES

Por trás da sequência de adiamentos, há uma resistência de Bolsonaro à medida. Em reunião fechada no fim de julho, a qual O GLOBO teve acesso ao áudio, o ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, disse estar tranquilo com relação à reforma administrativa, pois Bolsonaro é “completamente contra”. Além disso, Rosário comentou que Bolsonaro deseja conceder aumento salarial aos funcionários públicos antes do fim de seu mandato em dezembro de 2022.

Mesmo após o envio de uma primeira proposta, a mudança de regras deve demorar a ter efeito prático. Em janeiro, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, disse que a medida seria encaminhada em fases e incluiria uma proposta de emenda à Constituição (PEC), projetos de lei e decretos. No cronograma apresentado na ocasião, esse processo duraria até 2022.

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Mais de um terço dos servidores deve se aposentar até 2034

Pedro Capetti

11/08/2020

 

 

Estudo do Instituto Millenium vê Oportunidade para aprovar reforma. Gasto com pessoal como proporção do PIB é próximo do da Noruega

 As aposentadorias dos servidores públicos podem servir de janela de oportunidade para a reforma administrativa. Até 2034, mais de um terço dos servidores federais deve se aposentar. A conclusão faz parte de estudo lançado pelo Instituto Millenium, centro de pensamento liberal composto por profissionais e empresários, que defende a urgência da reforma administrativa para corrigir distorções.

O levantamento marca o lançamento da campanha “Destrava”, criada para acelerar o andamento de pautas relacionadas à reforma administrativa. A carta aberta é assinada por empresários como Jorge Gerdau e especialistas como Ana Carla Abrão, Adriano Pires e Fabio Giambiagi.

Uma das comparações no estudo indica que o volume de recursos gastos com servidores equivale a 3,5 vezes o da saúde, embora o cálculo tenha sobreposições.

Membros do Millenium afirmam que a pandemia aumenta a urgência na tramitação da reforma, a fim de diminuir o peso do funcionalismo no Orçamento nos próximos anos. Ao todo, 219 mil servidores podem se aposentar, sendo 95% destes estatutários. Isso significa que será necessário uma reposição, o que poderia aumentar espaço de vínculos temporários e celetistas.

Dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senadoapontamqueadívidapública irá superar 100% do PIB no fim do ano. E, segundo o instituto, a reforma tributária e as privatizações não vão resolver sozinhas o problema fiscal.

— Se não aproveitarmos essa janela para pensarmos o modelo melhor para o serviço público, teremos uma segunda geração de servidores com discrepância de salários e falta de uma carreira progressiva — As contas não vão fechar — afirma Priscila Pereira Pinto, cientista política e diretora do Instituto Millenium.

Hoje, o custo total do funcionalismo nas três esferas de Poder (federal, estadual e municipal) chega 13,7% do PIB para suprir o pagamento de profissionais que vão do presidente aos cargos de professores, profissionais da saúde, fiscais do trabalho, por exemplo.

Do total, 4,26% do PIB advêmdofuncionalismofederal, que é, proporcionalmente, mais oneroso aos cofres públicos, ainda que represente 11% do total de servidores. O custo médio de um funcionário federal é de R$ 242,4 mil/ano, 2,7 vezes mais do que o servidor estadual. Uma das razões é a especialização do profissional da União, mais qualificado em sua maioria.

Na comparação com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o país é o sexto no peso do funcionalismo como proporção do PIB, com patamar próximo ao da Islândia e da Noruega.

Para pesquisadores do Millenium, existem duas distorções a corrigir: o tamanho da máquinapúblicaeosprivilégios do regime dos servidores. Segundo o estudo, 95% do funcionalismo ganham a bonificação máxima, o que gera distorções. Muitos conseguem alcançar o teto salarial com poucos anos de trabalho.

Para Wagner Vargas, sócio da consultoria ODX, que participou do estudo, os números reforçam que há espaço para aumento de eficiência. Se as 30 ocupaçõesmais numerosas do serviço público recebessem a remuneração equivalente do setor privado, o país poderia economizar R$ 15 bilhões por mês aos cofres públicos.

—Direitos adquiridos continuarão adquiridos. A próxima geração poderá contribuir com salários mais justos e meritocracia —resume Priscila.