Título: Governo nega mal-estar
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 14/02/2013, Mundo, p. 12

Ministro diz que o Planalto demorou a se pronunciar por "respeito". Polêmica com Dilma EM 2010 não arranhou relações com a Igreja

Dois dias depois de Bento XVI anunciar a renúncia, o governo brasileiro se manifestou, ontem, sobre a decisão. Principal interlocutor entre Planalto e a Igreja Católica, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, alegou que não cabe ao governo falar a respeito, mas apenas respeitar o ato do papa. Ele negou que o silêncio prolongado do governo tenha alguma relação com o desconforto entre a presidente Dilma Rousseff e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) — além do próprio pontífice — ainda durante a campanha eleitoral de 2010.

Na ocasião, o papa orientou os bispos brasileiros a se manifestarem sobre “matérias políticas”, o que foi interpretado como um recado à então candidata. “Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminação do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático, que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade da pessoa, é traído em suas bases”, disse Bento XVI, em outubro de 2010.

Poucas semanas antes da eleição, Dilma sofreu duros ataques na internet, em peças que a associavam à defesa do aborto. E-mails apócrifos lembravam entrevistas antigas da candidata petista, dizendo que o aborto é uma “questão de saúde pública” e que a legislação brasileira é “absurda”. Na época, a CNBB também se manifestou contrária às declarações. No ano passado, a entidade criticou a ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, por ter tratado o aborto como “questão de saúde pública”. “Nunca houve uma relação fria entre o governo brasileiro e a CNBB. Houve, sim, um episódio durante a campanha, absolutamente superado. Não foi o conjunto da Igreja que tomou uma posição. Não entendemos assim. A presidente Dilma nunca se manifestou, em público ou reservadamente, nessa perspectiva”, disse Carvalho no lançamento da Campanha da Fraternidade. Sua presença mesmo no evento, reforçou o ministro, seria um sinal das “boas relações” entre o governo e a Igreja.

Segundo Carvalho, conhecido como católico fervoroso, o Planalto não se manifestou por meio de nota sobre a renúncia do papa por considerar mais importante a “atitude”. “Não tínhamos que falar, tínhamos que respeitar, reforçar nossa parceria na prática. Portanto, não há nenhuma desconsideração, nenhuma demora. Insisto: é uma posição de respeito, de não querer fazer nenhum tipo de especulação sobre um evento que é de foro muito íntimo de um papa.” Carvalho negou qualquer desconforto entre a CNBB e a presidente Dilma. Disse que antes do evento foi chamado pelo bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da entidade, Leonardo Steiner, para que ficasse “claro” que a CNBB não se incomodou com o silêncio do governo brasileiro.

"Atitude amadurecida"

De acordo com o ministro, o governo recebeu a renúncia como uma atitude “bem amadurecida” pelo papa. “Quero aqui atestar, em nome da presidente Dilma, a nossa posição, que é acima de tudo de respeito, de reverência, e um desejo muito forte de que ele possa continuar contribuindo para a Igreja no plano espiritual e de orações, na vida que ele está escolhendo”, afirmou.

Carvalho disse que o governo não iria manifestar preferência na sucessão, mas que, como cidadão, teria muito orgulho se fosse escolhido um brasileiro. “O governo se preocupa em manter com o novo papa o mesmo padrão de relacionamento, de respeito e de colaboração mútua, já que o Brasil é uma das maiores nações de católicos no mundo.”

Vida contemplativa Operários trabalham na reforma do mosteiro Mater Ecclesiae, nos jardins do Vaticano, iniciada há alguns meses. O edifício foi construído em 1992, por decisão do papa João Paulo II, preocupado em oferecer aposentos aos religiosos que escolhessem dedicar a vida à contemplação. É no Mater Ecclesiae que Bento XVI passará a residir, em clausura, depois que se encerrar o período de sede vacante — entre a renúncia do papa, às 20h do próximo dia 28, e a escolha do sucessor pelo conclave. Assim que deixar o trono de São Pedro, o pontífice se hospedará na residência papal de verão, em Castelgandolfo.