Título: Agressivo, mas liberal
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 14/02/2013, Mundo, p. 15

Discurso sobre Estado da União mostra que Barack Obama não pretende ceder ao dividido Congresso americano

Um Barack Obama firme, até agressivo em alguns momentos e claramente liberal desafiou o dividido Congresso a ajudá-lo a governar “para muitos” em seu discurso do Estado da União, a mais importante mensagem anual do presidente dos Estados Unidos. Transmitido em cadeia de TV, na noite de terça-feira, o presidente voltou suas palavras para a classe média. Sob a bandeira da justiça econômica, delineou as prioridades de seu novo mandato, que têm grandes chances de se tornarem seu legado. No dia seguinte, ele deu início a um giro a três estados — Carolina do Norte, Georgia e Illinois — com o objetivo de reiterar seu discurso. Para cientistas políticos consultados pelo Correio e para parte da imprensa americana, Obama fez um clássico discurso democrata, que deixou evidente seu lado liberal, sem o temor de que isso lhe custasse a Presidência.

O presidente usou do grande capital político que o reelegeu para prometer voltar suas atenções à economia. Palavra que o assombrou nos últimos anos, o desemprego (7,9%) virou uma prioridade. Seu discurso não cedeu às reivindicações republicanas de corte de gastos e reiterou apoio à elevação de impostos para os mais ricos. Diante dos congressistas, Obama afirmou que a principal tarefa é estabilizar o orçamento e evitar os cortes automáticos, que chamou de “péssima ideia”. A situação dos trabalhadores foi outro alvo do discurso. “Os lucros corporativos dispararam para recordes históricos, mas, há mais de uma década, os salários e a renda mal se movem”, disse, ao defender um aumento do salário mínimo.

“Esse foi o Obama em seu momento mais estratégico nesse segundo mandato”, avaliou o professor da Columbus State University (Georgia) Nicholas Easton. Para ele, o presidente de anteontem estava bem diferente do de 2009, quando fez seu primeiro discurso do Estado da União. Na ocasião, ele “inocentemente” prometeu total cooperação com os oponentes e acabou em uma desvantagem grave. “Ele teve de entregar muito mais do que planejara originalmente”, opinou. “Parafraseando os comentários do próprio presidente sobre economia, o novo Obama não é apenas ‘maior’ e ‘mais forte’, mas muito mais ‘esperto’”.

Tese que ganha força para Steven Kyle, da Escola Dyson de Economia Aplicada e Gestão da Universidade Cornell (Nova York). Segundo ele, Obama não teve apoio dos republicanos nem mesmo quando propôs projetos defendidos por eles. “O presidente parece ter se curvado a essa realidade e mandado a clara mensagem de que a ação liberal obteria o mesmo resultado, mesmo que todos saibam que os republicanos no Congresso o bloquearão o máximo que puderem”, afirmou.

Ares de passado

Uma análise do influente site Politico mencionou o fato de Obama iniciar seu pronunciamento citando o ex-presidente democrata John Fitzgerald Kennedy e que o próprio JFK poderia ter feito o discurso. Segundo o site, o texto lançou um produto político novo com ares de passado. Os analistas destacam, nesse aspecto, principalmente os temas abordados pelo presidente, como a defesa de uma reforma imigratória, menções à alteração climática e controle de armas. Nesse último ponto, aliás, Obama, que só falou do assunto no final do primeiro mandato, fez um apelo ao Congresso. “Sei que esta não é a primeira vez que se discute uma forma de reduzir a violência armada, mas, agora é diferente.”

Ao falar sobre imigração, pediu aos congressistas que lhe enviem uma lei ampla que beneficie os mais de 11 milhões de pessoas que vivem irregulares nos EUA. Firmando-se como uma prioridade para o segundo mandato, o tema já era aguardado. A escolha do senador Marco Rubio para dar a resposta do Partido Republicano ao discurso, especula-se, já antevia um contraponto direcionado a essa parcela da população, cortejada pelos políticos desde a última eleição.

Além da política doméstica, o presidente mencionou alguns assuntos da agenda internacional. Um deles foi o anúncio de que os EUA negociarão uma ampla zona de comércio com a União Europeia. As conversações foram confirmadas ontem pelo presidente da Comissão Europeia (CE), José Manuel Durão Barroso.

É nossa tarefa inconclusa assegurar que este governo trabalhe em nome de muitos, e não apenas de alguns poucos”

Barack Obama

O novo Obama não é apenas ‘mais forte’, mas muito mais ‘esperto’”

Nicholas Easton, professor da Columbus State University (Georgia)