Correio braziliense, n. 20922, 04/09/2020. Política, p. 2

 

Reforma limitada

04/09/2020

 

 

 Recorte capturado

Após meses de expectativa, ela chegou. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, e os líderes do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) entregaram ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa. A solenidade aconteceu no Salão negro da Câmara, no início da noite de ontem. Integrantes do governo e parlamentares elogiaram a iniciativa do governo, mas ninguém espera cordialidade no futuro. A proposta já recebeu uma bateria de críticas assim que veio a público. É considerada tímida, sem efeito fiscal imediato e preserva as carreiras mais onerosas do serviço público. Quanto aos servidores, eles se preparam para assegurar direitos adquiridos e impedir o que consideram desmonte do Estado.

Jorge Oliveira considerou que a reforma “possibilitará ao Estado brasileiro avançar nos próximos anos, e prestar o melhor serviço à toda a população”. Ricardo Barros, por sua vez, lembrou que 25% da força de trabalho dos serviços públicos se aposentarão nos próximos cinco anos. “E precisarão ser substituídos. E com a digitalização, home office, questões afetas à modernidade, precisamos de menos pessoas com qualificação diferente. E esse novo modelo permitirá a meritocracia no serviço público”, afirmou. O senador Eduardo Gomes optou por manifestar a confiança no Congresso na condução dos debates.

Último a falar, Rodrigo Maia repetiu a necessidade de pensar a reforma como um instrumento para melhorar a qualidade do serviço público. “Não podemos mais tirar da sociedade com impostos, e do outro lado sair muito pouco em serviços da sociedade. Entregamos R$ 1 e sai R$ 0,20, e com pouca qualidade”, acrescentou.

A reforma tem problemas, no entanto. A proposta encaminhada pelo governo vale, apenas, para novos servidores e sem impacto fiscal algum no curto prazo, apesar do discurso dos técnicos de que é preciso reduzir os gastos com pessoal para evitar um colapso nas contas públicas e atrasos de salários.

Ao detalhar a PEC, técnicos do Ministério da Economia elencaram, entre as mudanças, a redução no número de carreiras; novas formas de contratação com prazos determinados; fim de vantagens como licença prêmio; férias acima de 30 dias no ano; aposentadoria compulsória e aumentos retroativos. O texto tem as linhas mestras para a nova estrutura da administração pública, prevendo que a regulamentação da proposta ocorrerá depois, de forma fatiada. Nem mesmo a definição dos cargos que vão integrar as carreiras de Estado, com estabilidade garantida, está prevista na PEC. Por essa razão, o governo disse que ainda não é possível calcular qual será o impacto fiscal da reforma.

A expectativa é de que o embate no Congresso durante a tramitação dessa PEC será duro, pois haverá lobby das categorias com influência entre os parlamentares para manterem a estabilidade. O governo, por sua vez, precisará de muita articulação política para conseguir resultado favorável com a reforma, tanto na redução de despesas, quanto na melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.

 Apesar de os técnicos afirmarem que a reforma vai valorizar o bom servidor, a PEC é considerada superficial por analistas porque não tem impacto fiscal no curto prazo e não corrige as desigualdades entre os trabalhadores do setor público. Deixa de fora a turma do “sangue azul”, a elite do funcionalismo, assim como militares, magistrados e parlamentares. Em grande parte, esses servidores recebem penduricalhos que fazem os rendimentos ficarem muito acima do teto salarial do setor público, de R$ 39 mil ao mês. Enquanto isso, os trabalhadores do chamado carreirão, que representa 80% dos servidores federais, principalmente, professores e funcionários da saúde, devem ser os mais afetados pela reforma.

 “O governo Jair Bolsonaro finge que faz reforma. Não tem reforma. Essa proposta é para daqui a 20 anos”, criticou a economista Elena Landau. Ela lembrou que a PEC ainda deverá abrir caminho para a judicialização ao criar dois regimes jurídicos.

Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, a reforma administrativa é oportuna, pois um em cada seis servidores vai se aposentar nos próximos cinco anos, o equivalente a 95 mil profissionais, aproximadamente. “Essa é a oportunidade de corretamente começar com outros com salários iniciais, menores e mais próximos dos valores de mercado”, disse. Contudo, ele lamentou o fato de PEC não afetar o Judiciário e o Legislativo, “onde estão os maiores privilégios”. (Rosana Hessel, Marina Barbosa, Vera Batista, Luiz Calcagno, Jorge Vasconcelos e Simone Kafruni)

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Frentes preparam embate 

04/09/2020

 

 

O lobby dos servidores públicos conta com o apoio de, pelo menos, dois desses blocos, contra um que é favorável às mudanças no funcionalismo. A proposta do governo de acabar com a estabilidade para parte dos novos servidores é o principal ponto de discordância.

Ao lado dos servidores estão a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, coordenada pelo deputado Professor Israel Batista (PV-DF); e a Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, liderada pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) e pelo senador Paulo Paim (PT-RS). São apoios de peso, já que uma frente, para ser criada, precisa ser composta por, no mínimo, um terço dos membros do Poder Legislativo.

Já a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, coordenada pelo deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), é formada por deputados e senadores alinhados com as propostas do governo. Muitos deles propõem mudanças ainda mais radicais no funcionalismo. Mitraud, por exemplo, tem discutido com parlamentares do partido a possibilidade de apresentação de uma PEC propondo que o “fim das distorções” alcance os atuais servidores, e não apenas os que ingressarem no funcionalismo após a reforma, como previsto na proposta do Executivo.

Já o Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, deputado professor Israel Batista (PV-DF), chamou de “covardia” o texto do governo. E destacou que não se deve começar a debater uma PEC da reforma administrativa, quando o Congresso está se reunindo remotamente. (LC e JV)

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Efeito quase nulo 

04/09/2020

 

 

A reforma administrativa é tímida e sem impacto no curto prazo, mas, ao menos, propõe mudanças na estabilidade dos novos servidores públicos, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. Para André Perfeito, economista-chefe da Necton, a proposta foi bem desenhada. “Porém, o efeito no curto prazo é quase nulo. O que gera de efeito positivo é que pode impactar os juros mais longos e tornar o dinheiro mais barato”, disse.

José Márcio Camargo, economista-chefe na Opus Investimentos, a nova estrutura administrativa proposta é positiva. “Mas não para resolver fiscal de curto prazo. Isso vai ter que ser via reforma tributária, regra de ouro, pacto federativo, criação de gatilhos e espaço para obedecer ao teto de gastos”, pontuou.

A economista Zeina Latif ressaltou que é razoável esperar mudanças apenas para os entrantes. “Isso é importante porque vai ter um volume grande de aposentadorias. Em 10 anos, 40% dos atuais servidores terão se aposentado. Acho válido restringir a estabilidade a algo que só pode ser conquistado depois de um período probatório”, avaliou. No entanto, segundo ela, a reforma administrativa “decepciona” porque não tem impacto fiscal algum. “Muito tímida. E muitas das medidas poderiam ser via projeto de lei, que tramitam mais facilmente”, avaliou. (SK)