Correio braziliense, n. 20922, 04/09/2020. Cidades, p. 19

 

O mito do herói

Jonathan Luiz 

04/09/2020

 

 

Enfermeiros heróis? Não. Esses profissionais são pessoas normais como qualquer outra. Não possuem poderes sobrenaturais como personagens dos cinemas, HQs e desenhos. Atuando na linha de frente contra a covid-19, agentes da saúde começaram a ser tratados como super-heróis, mas é importante lembrar que essas pessoas possuem família e amigos. Muitas vezes, eles abrem mão da vida pessoal para cuidar dos pacientes, e até perdem colegas de profissão para o novo coronavírus.

Pensando na desconstrução da imagem de super-heróis, a Universidade de Brasília (UnB) elaborou o projeto Enfermeir@s Incríveis na linha de frente da pandemia de covid-19. A professora e coordenadora da iniciativa Mariana Franzoi explica os objetivos da ação. “Divulgar, valorizar a enfermagem e oportunizar voz a enfermeiros de diferentes áreas de atuação que vivenciam diariamente inúmeros desafios na arte de cuidar nesta pandemia, que inclusive tem evidenciando um protagonismo permanente e irrestrito em tempos de pandemia”, explica.

“Ao dar voz aos enfermeiros, os relatos deles desconstroem a imagem de super-heróis que tanto é divulgada na mídia. Diferentemente de super-heróis, esses profissionais têm medos, sofrem, adoecem e muitos têm morrido nesta linha de frente”, expressa Mariana.

A ideia dos Enfermeir@s Incríveis nasceu em abril deste ano e faz parte do Projeto de Extensão Mentoria Estudantil em Enfermagem da UnB. A proposta dos estudantes é realizar entrevistas com enfermeiros de diferentes estados e áreas de atuação, abordando tópicos sobre mudanças ocorridas na rotina de trabalho, dificuldades vivenciadas e repercussões da pandemia na vida profissional e pessoal dessas pessoas, além de orientações e conselhos do autocuidado.

Realidade da profissão

 A estudante Bianca Evellyn Santana, 21, conta a importância do projeto para ela. “Quando comecei no curso de enfermagem, sabia que era uma profissão desvalorizada, e que temos muitas lutas pela frente. Mas no projeto, tive a oportunidade de conhecer profissionais que estão dispostos a fazer diferença. Escutei várias histórias durante as entrevistas que realizei para o blog (Leia Plataformas). Toda essa interface gerou uma expectativa de reconhecimento da profissão, uma esperança de que os enfermeiros sejam mais valorizados”, conta.

Bianca ressalta a realidade da profissão, que muitas vezes pode ser esquecida. “Nessa pandemia, infelizmente perdemos vários colegas da saúde. “Somos profissionais invisíveis, que estamos desempenhando nosso papel independentemente de qualquer situação. Cuidamos de cada paciente com uma visão de que, quem está ali, é importante para alguém. Lidamos com a vida e a morte todos os dias e, infelizmente, não temos o reconhecimento e valorização que deveríamos”, desabafa.

Além da carreira profissional, o projeto também ajuda na vida pessoal, como é o caso da estudante e uma das mentoras da iniciativa Nathalya Silveira, 20. Ela começou sua jornada acadêmica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e como muitos calouros sua mente era ocupada por dúvidas, mas o projeto deu um direcionamento para a jovem. “A iniciativa me ajudou a conhecer melhor a profissão, o trabalho desempenhado e a realidade que os enfermeiros enfrentam. Como sou aluna oriunda de transferência, cheguei na UnB totalmente perdida e o projeto me ajudou muito. Caí de paraquedas na universidade, cidade nova, ambiente novo e o Enfermeir@s me auxiliou em tudo, até em questões pessoais”, conta a estudante.

Na linha de frente

Cruzar a linha de frente na batalha contra a covid-19 exige coragem, atenção e entendimento que todos passam por dificuldades, como explica a enfermeira residente de saúde da família e comunidade, pela Fiocruz, Estéfane Câmara, 25. “Principalmente no início da pandemia, todos os enfermeiros estavam imersos no medo. No meu caso, por ser mãe de um bebê que, na época, tinha apenas oito meses, e por morar com pessoas que são do grupo de risco, me causava maior tensão”, conta.

Pensando em seus familiares, Estéfane precisou tomar atitudes para não colocar seus entes em risco. “A primeira decisão que tomei foi me mudar de casa, mas não podia me distanciar do meu filho, que ainda está em aleitamento materno. Então, foram dias de extrema ansiedade, cansaço e medo, até porque essas pessoas eram minha rede de apoio”, diz.

O período de isolamento trouxe problemas para a enfermeira. “No meio dessa ansiedade, desenvolvi transtorno alimentar e quase uma depressão, que só não foi à frente porque decidi buscar ajuda”, ressalta. “Precisei procurar o auxílio da Cruz Vermelha, que oferecia terapia para os profissionais da saúde. Isso foi de suma importância na minha vida. Buscar ajuda psicológica tem me dado mais calma, coragem, força para mudar o que antes não conhecia. Estava a ponto de ter um colapso interno, se não fosse a ajuda psicológica”, finaliza.

A enfermeira Vanessa Parente, 30, também encarou a batalha de frente. Ela trabalha na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital das Forças Armadas e na unidade de pronto atendimento (UPA) de Ceilândia, e conta que também precisou abrir mão de atividades na vida pessoal. “Deixei de transitar por lugares que normalmente frequentava”, aponta.

Durante a elaboração desta reportagem, Vanessa estava isolada porque foi infectada pela covid-19. “Meu maior medo era me contaminar e transmitir para alguém da minha casa. Infelizmente, mesmo com todo o cuidado, acabei pegando o vírus. Estou bem, tive apenas sintomas leves e até agora ninguém da minha família está sintomático”, detalha a enfermeira.

Com a reabertura dos comércios, ela faz um alerta. “Se o povo não tiver consciência da importância do isolamento, não vamos ter leitos para todo mundo e a saúde pública entrará em colapso”, alerta. “Apesar da exaustão que o trabalho me causa, o meu conhecimento sempre estará à disposição da sociedade”, complementa Vanessa, que, assim como Estéfane, participara do Enfermeir@s Incríveis.

* Estagiário sob a supervisão de Adson Boaventura      

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