O globo, n. 31783, 13/08/2020. País, p. 16

 

Centrão na liderança

Natália Portinari

Bruno Góes 

André de Souza

13/08/2020

 

 

Ex-ministro de Temer vai comandar base de Bolsonaro na Câmara

No gesto mais expressivo da aproximação com o centrão, o presidente Jair Bolsonaro vai entregar a liderança do governo na Câmara ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), integrante do grupo. Ele vai ocupar a vaga de Vitor Hugo (PSLGO), aliado fiel do presidente, mas alvo de grande rejeição por parte dos parlamentares. A mudança será oficializada na terça-feira.

Barros foi ministro da Saúde no governo de Michel Temer, além de líder na Câmara quando Fernando Henrique ocupou a Presidência e vicelíder nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e do próprio Bolsonaro. A indicação, que ocorre em meio à crise provocada pela debandada na equipe econômica, consolida o movimento que já vinha ocorrendo com a nomeação de indicados do centrão em cargos na estrutura federal.

“Agradeço ao presidente Jair Bolsonaro pela confiança do convite para assumir a liderança do governo na Câmara dos Deputados, com a responsabilidade de continuar o bom trabalho do líder Vitor Hugo, de quem certamente terei colaboração”, escreveu Ricardo Barros nas redes sociais.

‘DEMISSÃO DE PRESIDENTE’

Apesar de Vitor Hugo ter tido uma sobrevida, nos últimos meses, quem desempenhava o papel, informalmente, era o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL). Mesmo sendo do mesmo partido de Barros, Lira nunca nutriu simpatia pelo colega e chegou a trabalhar contra a sua nomeação como líder do governo. Por outro lado, Barros é próximo do líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

Em fevereiro do ano passado, Barros chegou a concorrer à presidência da Casa e foi derrotado por Rodrigo Maia (DEM-RJ). Sua principal plataforma de campanha era a proteção de “garantias” dos deputados, que estariam ameaçadas pela Operação Lava-Jato.

Em setembro de 2019, Ricardo Barros e abancada de deputados do Paraná tiveram uma reunião com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, para discutir a indicação de cargos ao governo. Já há indicados do centrão em órgãos como o Fundo Nacional

de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).

Na ocasião, o ministro foi cobrado pela liberação de espaço e verbas relacionadas ao acordo para a aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Ao debater o assunto, Barros fez uma intervenção para dizer que “o presidente não pode demitir deputado, mas o deputado pode demitir o presidente”.

Após a reunião, o parlamentar disse que gostou da conversa e que Ramos estava aberto ao diálogo. Ele garantiu que não fez o comentário como uma ameaça. O deputado afirmou ainda, na ocasião, que “quanto mais desarticulado o governo”, melhor para o Congresso. Ontem, ele não quis dar entrevistas.

Em dezembro de 2018, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma ação de improbidade administrativa contra Barros em razão do processo de compra de medicamentos quando ele era ministro da Saúde. Entre outros pontos, a procuradora do caso entendeu que a pasta descumpriu decisões judiciais que determinavam o fornecimento de remédios a pacientes, demorou na aquisição de alguns itens e ainda causou um prejuízo de R$ 19,9 milhões depois que uma empresa não foi capaz de entregar o encomendado. Foi pedido o bloqueio de bens do parlamentar, mas a Justiça negou a medida.

Antes, o MPF já havia apresentado outra ação para que o Ministério da Saúde sanasse as irregularidades na compra de remédios, inclusive na questão do repasse de R$ 19,9 milhões. O juiz que analisou esse caso não impediu a empresa de participar do processo de compra de remédios, embora tenha feito algumas ressalvas. Procurado pelo GLOBO, Barros disse que as decisões tomadas no processo mais antigo mostram que não houve nada de errado. Já o MPF, na ação de improbidade, diz que, mesmo assim, a empresa beneficiada pelo Ministério da Saúde não foi capaz de fornecer os remédios.

VETOS DERRUBADOS

O Congresso derrubou ontem quatro vetos de Bolsonaro. Por consequência, serão retomados o Regime Especial de Tributação para Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica (Recine), regras sobre crédito rural e normas para a telemedicina. Também será restabelecido projeto que estipula a inexigibilidade da licitação de serviços advocatícios.

A negociação envolveu a manutenção de vetos importantes para a equipe econômica, como a rejeição à flexibilização der eg raspara a concessão do Benefício de Prestação Continuada( B PC ),mecanismo volta dopara aposentados pobres. No projeto que instituiu o auxílio emergencial, os parlamentares acrescentaram um dispositivo que fixava valor igual ou inferior a meio salário mínimo como critério para o pagamento do BPC a partir de 1º de janeiro de 2021. O governo vetou o trecho, o que foi mantido pelos parlamentares.