O globo, n. 31783, 13/08/2020. Sociedade, p. 22

 

Sem ajuda para manter os estudos

Natalia Portinari

Paula Ferreira

13/08/2020

 

 

5,7 milhões de alunos da rede pública têm de pagar internet para assistir aula

 Depois de cinco meses sem aulas presenciais, a maioria dos estados ainda não provê internet para que alunos estudem. Com a suspensão das aulas presenciais devido à Covid-19, grande parte das redes de ensino do país passou a adotar atividades à distância. No entanto, a falta de financiamento de internet para os alunos tem tornado a escola pública, na prática um serviço pelo qual muitos precisam pagar para ter acesso.

Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que, depois de cinco meses da interrupção das aulas, dos 17 estados que responderam aos questionamentos da reportagem, apenas cinco financiam o acesso à internet para os alunos: Espírito Santo, Maranhão, Paraíba, Minas Gerais e São Paulo.

Ou seja, embora os outros estados disponibilizem material on-line, não há o custeio do acesso para os estudantes, o que faz com que pelo menos 5,7 milhões deles tenham que arcar com os custos de internet para estudar na escola pública ou ficam sem continuar o aprendizado. O cálculo foi feito com base na resposta dos estados e no tamanho de suas redes de ensino.

Essa realidade é o que leva a situações como a de Roniel Conceição, 18 anos, no terceiro ano do ensino médio. Ele mora em Benedito Bentes, um bairro periférico de Maceió (AL). Segundo ele, de 45 alunos de sua turma, no máximo 15 fazem as atividades on-line. No começo da pandemia, ele ia até a casa da sua avó usar o wi-fi para estudar, mas parou de ir para não expô-la a risco.

— Eu colocava créditos em um chip, mas não duravam uma semana. Então, lá pelo fim de maio, eu combinei com a minha vizinha, que é professora, de dividir o wi-fi dela, e estou pagando uma parte da conta. Para a gente, que é da periferia, é pesada uma conta de internet.

PAPEL E CADERNO EM CASA

Entre as unidades da federação consultadas, duas estão em processo de contratação de companhias de internet para oferecer o serviço: Rio Grande do Sul e o Distrito Federal. A Bahia informou que não adotou o ensino remoto, disponibilizando aos estudantes materiais impressos.

A estratégia de atividades em papel foi a alternativa adotada pela maioria dos estados que não financiam a internet dos estudantes, assim como as videoaulas transmitidas pela TV aberta. O estado de Goiás encontrou uma outra alternativa e, além de entregar material impresso na residência dos alunos, oferece conteúdo offline em seu aplicativo.

Aluna do segundo ano do ensino médio na Escola Estadual Conde Pereira Carneiro, em Angra dos Reis (RJ), Ana Victoria precisou estudar pelo material impresso até o mês passado, porque não tinha internet.

No entanto, a defasagem em relação ao conteúdo passado para resto da turma em uma plataforma on-line fez com que sua mãe, que trabalha como faxineira em outra escola, contratasse um plano de dados para seu celular para viabilizar os estudos da filha.

O telefone da mãe de Ana Victoria é o único dispositivo eletrônico da casa e precisa ser compartilhado com outro dois irmãos da estudante, que também estão com atividades remotas.

— Se metade dos alunos têm acesso à internet e a outra metade não, há uma parte com chance de passar no vestibular e cursar uma faculdade, e outra metade, não. Assim como eu, outros alunos têm o sonho de cursar uma faculdade e ter um futuro. Pessoas de baixa renda, como eu, precisam ficar esperando o governo nos dar uma chance — diz a estudante, que costumava vestir o uniforme escolar para estudar em casa.

A aluna teve que se deslocar até a escola para receber a apostila de atividades, porque o serviço dos Correios não consegue fazer entregas em seu bairro. Como passou os meses estudando no material impresso, ela agora tenta atenuar o prejuízo acessando a plataforma on-line com o celular da mãe. A família vive com a renda de um saláriomínimo e teve que fazer cortes no orçamento para custear a rede móvel.

—A apostila que recebi foi referente ao primeiro bimestre, e as pessoas que estão fazendo a plataforma on-line já estão no terceiro bimestre, ou seja, quem ficou fazendo somente a apostila está muito atrasado—diz Ana Victoria.

Ela conta que, há algumas semanas, foi à escola para saber sobre a nova apostila, mas não obteve resposta.

Questionada pela reportagem sobre o caso da estudante, a Secretaria de Educação do Rio afirma que “todas as escolas estaduais da Seeduc receberam arquivo com material didático de estudos e recursos para realizarem a impressão deste material”.

O governo estadual fluminense chegou a abrir uma licitação para comprar 750 mil chips para alunos, mas alega que, devido a um aumento nos preços imposto pelo fornecedor, a contratação não foi adiante.

‘CRISE DENTRO DA CRISE’

Nesta semana, em resposta a um requerimento da Comissão Externa de Acompanhamento do Ministério da Educação (MEC) na Câmara, a pasta afirmou que “não dispõe de informações acerca do número de alunos da rede pública de ensino do país que estão tendo tele-aulas e aulas on-line até o momento”.

Coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda explica que problemas históricos da educação brasileira têm sido agravados com a crise. Segundo ela, é importante ainda valorizar os profissionais da área nesse momento para não prejudicar ainda mais os estudantes.

— Estamos vivendo uma crise dentro da crise. O Ministério da Educação, como representante da União, precisa colaborar técnica e financeiramente com as políticas educacionais. E ele não tem feito nem um, nem outro — critica. — Nesse contexto está inserido o debate do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que precisa garantir não só maiores aportes da União mas também que o recurso chegue nas escolas e na garantia dessa estrutura de qualidade. Para isso, é preciso que o Senado Federal siga os avanços conquistados na Câmara dos Deputados.

O MEC não respondeu a reportagem sobre suas iniciativas para ajudar os estados a fornecer internet aos estudantes.