Valor econômico, v. 21, n. 5086, 15/09/2020. Política, p. A8

 

Incentivada por Bolsonaro, base articula derrubada de veto

Raphael Di Cunto

15/09/2020

 

 

Anulação de multas aplicadas pela Receita deve ser restabelecida por deputados e senadores

Deputados da base do governo e de diversos segmentos religiosos defenderam ontem a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro que impediu a anulação de multas aplicadas pela Receita Federal a igrejas pelo não pagamento de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O grupo acredita contar com maioria nas duas Casas para fazer valer essa anistia.

Líder do PP na Câmara e no comando de um dos principais partidos da base do governo, o deputado Arthur Lira (AL) afirmou ao Valor que a sigla votará pela derrubada do veto, que teria ocorrido por questões técnicas e não pelo conteúdo do projeto. “Apoiaremos a derrubada por respeito à Constituição. Uma resolução da Receita não pode ser superior à Constituição”, disse.

O próprio Bolsonaro incentiva a derrubada ao divulgar, pelo Twitter, que fazia o veto para não descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas que, se parlamentar fosse, votaria pela anulação das “absurdas multas às igrejas”. “Confesso, caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo. O artigo 53 da Constituição Federal diz que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, escreveu o presidente. Os evangélicos, que lideraram essa articulação, são uma das principais bases eleitorais de Bolsonaro.

Bolsonaro afirmou ainda que apresentará esta semana uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para estabelecer o alcance da imunidade das igrejas nas questões tributárias. A bancada evangélica disse desconhecer o conteúdo dessa proposta.

Para o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), um dos principais aliados de Bolsonaro, essas declarações foram o “sinal verde” para derrubar o veto. “Meu presidente agiu de maneira salomônica. Aprovou o que era possível e vetou o que não era”, disse. “Estamos tentando diminuir o estrago realizado pelas gestões petistas, que instrumentalizaram a Receita Federal com fins políticos”, acusou.

O presidente da bancada evangélica, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), afirmou que o grupo terá reunião hoje para decidir uma posição única, mas que a tendência é orientar os 130 deputados da frente pela derrubada do veto e espera que a própria base aliada do governo apoie isso. “A votação no Senado [onde a bancada é menor] mostra que não contamos só com os votos evangélicos. É questão de Justiça. As multas são indevidas. Não é defesa nem de igreja, é defesa da Constituição”, disse.

A Receita tem o entendimento de que a imunidade tributária garantida pela Constituição as entidades religiosas se refere a impostos e não a contribuições, como a CSLL. Por isso, fez autuações que somam mais de R$ 1 bilhão nos últimos anos e que seriam anuladas com essa lei. A equipe econômica do governo foi contra a sanção e Bolsonaro seguiu a recomendação para não incorrer em crime de responsabilidade fiscal, passível até de um processo de impeachment.

A emenda que criaria a isenção foi aprovada no meio de um projeto de lei sobre a regulamentação de descontos no pagamento de precatórios (dívidas judiciais de órgãos públicos). Na Câmara, foram 345 votos a favor e 125 contrários. No Senado, o texto passou por unanimidade. Para derrubar o veto, são necessários 257 deputados e 41 senadores.

No PT, apesar da tentativa de se reaproximar do segmento religioso, o deputado Padre João (MG) acha difícil convencer a bancada a votar pela derrubada do veto. “A maioria votou contra o destaque. Não é uma votação dessas que vai fazer a reaproximação com o segmento”, disse. O líder da sigla na Câmara, deputado Ênio Verri (PT-PR), disse que o partido já votou contra a anistia na emenda e será a favor do veto para continuar a cobrança.

Além dos petistas, foram contra a emenda PSDB, PDT, Psol e Novo, a maioria com o argumento de que o projeto sobre precatórios não era o ambiente adequado para discutir as multas. O mesmo argumenta o relator do projeto, deputado Fábio Trad (PSD-MS), que considerou o veto correto, mas a sugestão de derrubá-lo, não. “Isso constrange e empareda o Parlamento. Acho que essa questão da anistia não cabe como uma emenda. Deveria ser um projeto de lei autônomo para toda a sociedade discutir de forma transparente e franca”, disse.