O globo, n. 31787, 17/08/2020. Sociedade, p. 8

 

Educação desigual

17/08/2020

 

 

Ausência de diretrizes dificulta volta às aulas de alunos com deficiência

 Em meio à atual pandemia da Covid-19, as incertezas sobre o retorno à escola preocupam famílias que têm estudantes portadores de deficiência. Embora a condição não coloque os alunos automaticamente no grupo de risco para o novo coronavírus, parte deles tem necessidades específicas que demandam um olhar diferenciado. Enquanto na esfera federal as diretrizes para a retomada da educação especial atrasaram após um parecer ter sido considerado discriminatório, gestores locais buscam outras referências para elaborar protocolos de reabertura. A insegurança, no entanto, é a realidade da maior parte dos pais.

RISCO DE DISCRIMINAÇÃO

Flávia Pereira, de 45 anos, já decidiu que a filha mais velha, Manuela, de 15 anos, não voltará caso as aulas presenciais sejam retomadas em breve. A adolescente, aluna do 6° ano de uma escola pública regular de Brasília, tem sequelas motoras e cognitivas de uma malformação congênita. Devido à restrição de movimentos, Manuela depende de terceiros para várias atividades, o que deixa a mãe receosa em meio a uma pandemia que tem como regra número um evitar ao máximo o contato entre as pessoas.

— O contato é inevitável para ela, que depende de outra pessoa para conduzir a cadeira (de rodas), ajudar a manusear os materiais, entregar o lanche a uma distância em que ela consiga comer sozinha. Nosso medo é grande —afirma Flávia.

Apesar de ressaltar as necessidades específicas de Manuela, Flávia afirma que também não deixará o filho mais novo, George, de 13 anos, voltar à escola se a reabertura ocorrer em breve. Na avaliação dela, ainda não há segurança para os estudantes retornarem presencialmente às escolas.

Um estudo do Instituto Rodrigo Mendes, que analisou experiências de 23 países no atendimento educacional de pessoas com deficiência, aponta que alguns elaboraram normas voltadas ao público com deficiência. Nem todas as medidas, porém, são consideradas positivas pelos especialistas, como as adotadas em Cingapura e na Dinamarca, onde o retorno dos alunos com deficiência foi postergado em relação aos demais estudantes.

— Quando as autoridades estiverem seguras para abrir as escolas, todos devem ter o direito de voltar, inclusive os estudantes com deficiência. É um equívoco estabelecer uma correlação direta entre grupo de risco e deficiência — defende Rodrigo Hübner Mendes, superintendente do instituto que leva seu nome.

O Brasil tem cerca de 1,2 milhão de alunos na educação básica com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento ou altas habilidades, segundo dados do Censo Escolar 2019. Desse total, 87% estão em classes comuns, o que representa uma vitória da educação inclusiva.

O Ministério da Educação (MEC) homologou no início deste mês um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre retomada das aulas presenciais, mas excluiu apar teque tratava da educação especial, que será refeita pela entidade.

O texto foi considerado discriminatório, por condicionara voltado aluno com deficiência a uma avaliação da equipe da escola ou a uma curva de contaminação em queda. Estabelecia ainda alguns casos em que as atividades presenciais não deveriam retornar, como para os surdos, em função da dificuldade com máscaras; e cegos, que necessitam do contato com corrimões e bengalas para se locomover.

Suely Melo Menezes, conselheira do CNE que prepara um novo texto para ser votado em setembro na entidade, diz que o objetivo do parecer anterior foi ode proteger um grupo que apresenta vulnerabilidades.

— No início da pandemia, foi definido que os idosos eram vulneráveis. Eles se sentiram protegidos, e não discriminados. Foi esse o sentido que quisemos dar. Sabemos que nem toda escola terá estrutura adequada e a norma, sozinha, não supera o desaparelhamento e as más condições —diz Suely.

 PROTEÇÃO PARA TODOS

Para Ana Cláudia Figueiredo, coordenadora do Comitê Jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, que integra a Rede Brasileira de Inclusão (Rede-In), os protocolos cometem discriminação quando distinguem com base na deficiência.

— O Estado não pode, sob o argumento da proteção, estabelecer regras distintas. Se quero evitar que uma criança cega passe a mão em locais contaminados, preciso estabelecer a limpeza das superfícies, para proteger todos os alunos.

O MEC informou que os sistemas de ensino são autônomos para editar os protocolos sanitários de retorno às escolas. E que toma medidas voltadas para a educação especial, citando repasse de R$ 5 milhões, sem esclarecer se os recursos já foram aplicados. Também informa que ainda será lançada a Política Nacional de Educação Especial e o curso Atendimento Educacional Especializado no Contexto da Pandemia.