Correio braziliense, n. 20925, 07/09/2020. Política, p. 2

 

Lava-jato tenta sair da encruzilhada

Luiz Calcagno 

07/09/2020

 

 

Na defensiva e sob pressão, a Lava-Jato vê seu protagonismo no combate à corrupção ser minado. A metodologia que resultou na maior operação de combate à corrupção da história do país perderá força nos próximos meses sob a gestão do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e do vice, Humberto Jacques de Medeiros, que trabalham para concentrar os trabalhos, em vez de garantir a autonomia dos grupos de trabalho envolvidos com as investigações. Por outro lado, não há clima político para ferir as forças-tarefas de morte, e a expectativa é do que o ministro e novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, traga equilíbrio e tranquilidade à operação. Ainda assim, especialistas alertam, que dificilmente os grupos terão a mesma independência e suporte que receberam no passado.

Para se ter uma ideia da sequência de reveses, na última terça, o procurador da República Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, deixou a operação alegando questões familiares. No dia seguinte, sete procuradores da força-tarefa de São Paulo pediram desligamento até o fim deste mês, por conta de desentendimento com o modo de proceder da chefe da equipe, a procuradora Viviane de Oliveira Martinzes, que estaria atuando para desmontar o grupo, tomando decisões unilaterais.

Nos mesmos moldes de Aras, acusam os procuradores, Martinzes estaria centralizando um trabalho muito complexo para ficar sob o guarda-chuva de um único agente público. A procuradora, por sua vez, acusa o grupo de concentrar a distribuição dos processos criminais relacionados à força. As baixas recentes atingiram, ainda, outra força-tarefa de combate à corrupção, com o procurador Anselmo Lopes deixando a Operação Greenfield, criada para investigar fraudes em fundos de pensão. Ele abriu mão do posto após procuradores envolvidos na Greenfield perderem a prerrogativa de exclusividade para se dedicarem aos trabalhos investigativos. Sem a dedicação exclusiva, a alegação é que a soma do volume de trabalho na força e nos demais setores é impraticável.

Ao Correio, integrantes da cúpula da PGR comentaram os ataques às forças-tarefas. “Tudo isso implica em processos importantes de crime contra a administração pública, corrupção, crime organizado, e é praticamente impossível só um membro cuidar de tudo”, destacou um procurador. Os mais otimistas falam na necessidade de regulamentar o trabalho das forças-tarefas, que teriam sido criadas de forma improvisada. Esse seria o objetivo da PGR. Mas, mesmo os favoráveis a mudanças admitem que há um enfraquecimento de grupos do investigadores do Ministério Público Federal. Ao todo, são 20, espalhados por todo o país. Mais da metade trabalha no combate à corrupção, além de atuações ligadas a direitos dos povos indígenas, ocupação de terra na Amazônia, dentre outros.

“Estar nesses grupos é um sacrifício. Você trabalha muito. Todo mundo trabalha muito, mas, a responsabilidade é enorme, e é importante ter o apoio da instituição como um todo, que existiu com Rodrigo (Janot), Raquel (Dodge), e as pessoas não sentem que têm com Aras”, admite outro procurador, que afirma estar a força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo sob duplo ataque: do PGR e da coordenadora local. Uma das hipóteses seria uma tentativa de desmonte indireto, observa a fonte, tornando insustentável a continuidade dos trabalhos sem, no entanto, extinguir oficialmente os grupos.

Há quem acuse Aras de dar conta de um projeto pessoal de poder, ao centralizar e dominar esses grupos cujo trabalho tem grande repercussão na mídia. Para alguns, o fato de Aras ter sido nomeado por Bolsonaro fora da lista tríplice reforçaria a tese. “Ninguém vai querer ficar refém do procurador-geral da República. Os procuradores vão cuidar de seus ofícios. E ele que arque historicamente com o que está fazendo. Isso tem um preço”, alega outro integrante insatisfeito do Minitério Público.

Outro procurador fatiou a crise. Destacou que o ocorrido em São Paulo foi um problema interno, sem influência de Brasília, “que tem de ser resolvida”. “Não à toa”, destacou o vice-procurador-geral Humberto Jacques, que cobrou da unidade e de Martinzes uma solução. “Eu não arrisco dizer qual será, mas lhe garanto que haverá alguma em poucos dias. E o trabalho vai continuar”, assegurou. Mas, demonstrou preocupação com o Conselho Nacional do Ministério Público proibir a distribuição automática de processos da Lava-Jato no STJ para integrantes da força-tarefa que atuam nos recursos dessas ações, que ocorreu por interferência direta de Aras. A promotora natural no STJ não tem condições de conduzir sozinha os processos. “O PGR sabe disso”, garantiu.

O pacto e o escudo

Analista de política da área de informação do TradersClub, Leopoldo Vieira afirma que a Lava-Jato sofre as consequências do acordo de pacificação feito por Jair Bolsonaro, o Centrão e as cúpulas da Câmara, Congresso e Judiciário. A união de conservadores com os partidos do blocão incluiria, inclusive, a esquerda tradicional do país. “Não que o combate à corrupção vai deixar de acontecer. Mas, com a mesma força, ímpeto, popularidade, certamente não. Um reflexo foi a saída de (Sergio) Moro, muito aquém do que se imaginava. Acreditava-se que se ele saísse, o governo acabaria. Mas, Bolsonaro fagocitou os eleitores de Moro”, avalia.

Ainda segundo Leopoldo Vieira, dentro do acordo feito às custas da Lava Jato está o sepultamento das pautas de comportamento do governo e o foco na agenda econômica. “O Fux vai ajudar nesse esforço, mas não vai deixar a Lava-Jato pesar. Senão a bandeira anticorrupção vai perder força política eleitoral. Ela sofreu uma profunda derrota”, aponta. Vieira avalia a postura da PGR. “Não acho que Aras queira acabar (com a operação). Ele quer cooptar o processo. Quer colocar em uma perspectiva de normalidade jurídica, com processos protelatórios intermináveis, para ver se, em 2022, um eco da Lava-Jato surta efeito que acabe na conta do Bolsonaro e não de Moro”, acrescenta.

Outro integrante da cúpula do MPF admite ao Correio que a procuradoria não está “em uma situação normal” e que a Lava-Jato e Greenfield sofreram retrocessos. “Essa sequência de baixas não é normal”, afirma. Ainda assim, para o procurador, há disposição da instituição, especialmente pelos membros em atividade, de preservar as ações anticorrupção. Na semana passada, por exemplo, oito membros do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) endossaram um ofício defendendo a prorrogação dos trabalhos de forças-tarefas. Entre elas, Lava-Jato e Greenfield por um mínimo de seis meses.

“O MPF (...) sempre desempenhou um papel central no enfrentamento da macrocriminalidade organizada, valendo-se de um corpo funcional altamente qualificado, amparado por regras e tradições que valorizam a independência funcional de seus membros. Ao longo dos anos, contudo, foi-se percebendo que uma atuação efetiva e eficiente nesta seara exige do Ministério Público Federal, muitas vezes, investimentos especiais, sobretudo por meio da conjugação de esforços e da disponibilização de recursos humanos e materiais proporcionais à complexidade da tarefa de investigar e processar esquemas criminosos dotados de grande sofisticação e organizados por agentes poderosos”, afirma o documento.

“Viemos em uma ascendente no combate à corrupção nas últimas duas décadas, que é o tempo da ascensão das forças-tarefas no Brasil. E tivemos, em 2019, um ano de retrocesso claro, com iniciativas negativas vindo de todos os Poderes. No STF, houve paralisação dos relatórios de inteligência para órgãos de controle. Proibição de execução de pena após julgamento em segunda instância. Do Legislativo, a lei de abuso a autoridade. Nunca se negou tanto pedido de informação, desde o início da LAI. Isso traz dificuldade clara para quem trabalha com o combate à corrupção. Então, a regulamentação dará garantia de estabilidade, perenidade e apoio para que os trabalhos sigam sendo desenvolvidos”, afirma outro procurador ouvido pelo Correio.

No caso da demissão em massa da Lava-Jato de São Paulo, oficialmente, a PGR informou que o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu à procuradora que se pronunciem sobre providências que podem ser adotadas pela instituição”. “Segundo o vice-procurador-geral, impõe-se à administração do MPF a concepção de uma solução que impeça a descontinuidade dos trabalhos, “até mesmo pelo risco de prescrição, que é permanente em matéria penal”, afirmou o órgão em nota.

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Carreatas pelo país recebem apoio de Moro 

Bruna Lima 

07/09/2020

 

 

Aumentou a pressão sobre o procurador-geral da República, Augusto Aras, para dar continuidade à Operação da Lava-Jato. No fim de semana, diversas cidades brasileiras tiveram carreatas em favor da força-tarefa. Nas redes sociais, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro divulgou mensagem de apoio aos manifestantes. Ele reforçou as declarações publicadas ontem pelo Correio, em defesa da agenda anticorrupção. Na entrevista exclusiva ao jornal, Moro afirmou que a Lava-Jato e as forças-tarefas estão ameaçadas e que a reação a esse desmonte está nas mãos da Procuradoria-Geral da República.

“A operação Lava-Jato foi a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil e, infelizmente, está sofrendo alguns revezes neste momento. Todo apoio é bem-vindo e, evidentemente, tudo isso faz parte de uma agenda maior anticorrupção”, disse em vídeo transmitido nas redes sociais e durante live do movimento Vem pra Rua Brasil, um dos grupos responsáveis pela mobilização das carreatas realizadas ontem em 15 cidades.

Quem também manifestou-se sobre o assunto foi o ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro general Santos Cruz. “A Lava-Jato trouxe esperança de que era possível combater a corrupção no Brasil. A percepção de enfraquecimento da Lava-Jato é motivo de desilusão e decepção. O combate à corrupção e à fraude é fundamental ao Brasil. Infelizmente, o momento é de descrença. Nada de novo no front”, publicou, nas redes sociais.

O movimento para pressionar a continuidade da força-tarefa não ficou restrito à internet. Acompanhados por carros de som, apoiadores saíram às ruas em carreatas. “A quem beneficia não prorrogar a maior operação de combate à corrupção? Aos que estão sendo investigados, aos corruptos, aos que estão desviando dinheiro público, bandidos da nação”, afirmou uma integrante do movimento pelo carro de som que puxava o ato em Brasília, que terminou em buzinaço em frente à Procuradoria-Geral da República (PGR).

Durante as manifestações, apoiadores carregavam panfletos com dizeres "Fora, Aras”. Segundo o movimento, na capital federal aproximadamente 200 veículos participaram do protesto.

No estado paulista, além da capital, Jundiaí e São José do Rio Preto contaram com carreatas em defesa à operação. Rio de Janeiro, João Pessoa, Goiânia, Belo Horizonte e Curitiba foram outras capitais em que houve manifestações. Em Curitiba, ponto central da operação, os apoiadores encerraram o ato em frente ao prédio da Justiça Federal. "Estamos direto da capital da Lava-Jato fazendo um apelo ao bom senso do procurador-geral da República no sentido de que não permita retrocessos no combate à corrupção em nosso país", disse uma apoiadora em vídeo publicado no Twitter.

A convocação ocorreu após o anúncio feito, na última terça-feira, de que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, iria deixar o comando da operação. Em meio ao anúncio, cabe Augusto Aras decidir se renova ou não a equipe da operação na capital do Paraná.

Em live com advogados no fim de julho, o procurador-geral da República provocou uma polêmica ao afirmar que era preciso “corrigir os rumos para que lavajatismo não perdure”. De acordo com Aras, seria necessário resguardar os dados de 38 mil pessoas que estão em poder da equipe para que as informações não sejam utilizadas para “chantagem e extorsão”.

Na entrevista exclusiva ao Correio, Moro disse não haver lavajatismo. “O que existe são servidores públicos que respeitam o salário pago com dinheiro público e tiveram cuidado de fazer bem seu trabalho”, afirmou. O ex-juiz acrescentou que os ataques demonstram que “o sistema está reagindo”. Segundo Moro, a intenção é “dificultar a investigação e a punição dos crimes de corrupção para tentar que tudo volte a ser como antes, tendo a impunidade como regra”.