Correio braziliense, n. 20925, 07/09/2020. Política, p. 3

 

Supremo fora da "vitrine"

Renato Souza

Sarah Teófilo 

07/09/2020

 

 

Entre golpes do jiu-jitsu, o ministro Luiz Fux — que nesta quinta-feira assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) — alivia tensões e se prepara para enfrentar desafios que influenciar o futuro da nação brasileira. Com um tatame montado em sua casa, antes da pandemia ele costumava treinar com seguranças da Corte, que são destacados para acompanhá-lo tanto em compromissos públicos quanto privados, sejam eles ligados às atividades no setor público ou pessoais. Faixa vermelha e branca no esporte, o magistrado  que estará à frente do Supremo pelos próximos dois anos precisa de apenas mais um grau para chegar à mais alta graduação no jiu-jitsu. Já na magistratura, ele ocupará o topo da carreira.

Considerado um ministro extremamente técnico, profundo conhecedor do processo civil, é tido como linha-dura em questões penais. Magistrado de carreira, deve conduzir o Supremo com  distância segura do mundo político. Fux tem confidenciado a pessoas próximas que a Corte precisa preservar sua liturgia, sua missão como garantidor dos ditames constitucionais, respeitando a atribuição dos demais Poderes. O ministro não pretende participar de reuniões no Palácio do Planalto, encontrar-se com o presidente da República, ministros de Estado ou políticos sem relação direta com as atividades da Corte e em caráter técnico.

Postura reservada

Além disso, a visão geral que se tem da postura do ministro como presidente é que ele buscará menos holofote sobre o Supremo, tirando-o da “vitrine”, como diz a especialista em direito constitucional, Vera Chemim. Para ela, Fux será “apolítico e, sobretudo, técnico”. Vera acredita que o novo presidente deve manter distância de questões políticas, sem se alinhar ou se opor ao governo, com uma postura bem mais discreta. Buscará pautar assuntos que julgar importantes para a sociedade no momento, independentemente de ser negativa ou favorável ao Executivo nacional, seguindo estritamente a legislação.“Ele vai manter o Supremo onde ele deveria ser; vai fazer com que o Supremo se recolha ao papel de guardião da Constituição Federal, guardando o distanciamento dos Poderes políticos”, diz.

Advogado e professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Cruz Bottini tem uma visão distinta. Avalia que todo ministro do Supremo tem perfil político, ainda que seja não partidário. O professor ressalta que a presidência do órgão precisa se relacionar institucionalmente com outros Poderes. Sobre as prioridades de Fux, o jurista afirma que ele tem um perfil mais rigoroso em questões penais. “Mas, não acho que isso seja um aspecto fundamental a ser levado em consideração na gestão dele como presidente do Supremo”, considera.

De fato, Fux é chamado de punitivista por muitos advogados, e até ‘linha-dura’ no âmbito do direito penal. Apoiador da Lava-Jato, acredita que a força-tarefa tem seus méritos e que a corrupção precisa ser combatida no país. Com essa postura, espera-se que temas de combate à corrupção ganhem força, sem haver, no entanto, choque com o Congresso Nacional.

Conhecido entre os amigos pela educação e cordialidade, o ministro é respeitado entre os alunos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde dá aulas, geralmente às segundas-feiras. Quando a Uerj implantou as cotas raciais, os primeiros alunos negros viam nele uma referência, em razão do apoio dele à medida. Fux defende ações afirmativas, com a inclusão de todos por meio da educação, assuntos que também devem marcar os temas do plenário nos próximos anos.

Nos momentos em que se desprende das atividades da magistratura, além de se dedicar à leitura, Fux avança sobre a paixão no esporte. Costuma assistir campeonatos de jiu-jitsu pela tevê a cabo. Um canal esportivo que tem programas quase que diários voltado para a modalidade é um de seus hábitos. Amigos próximos destacam que o magistrado tem uma vida diurna. Em Brasília, é avesso a jantares e eventos. Até por razões de segurança, prefere descansar em casa.

A postura reservada pode se estender à presidência. Para Pierpaolo Bottini, o ministro deve articular menos externamente. Para ele, Fux tende a reduzir as conversas com os outros Poderes, mas não por uma diferença em relação à Toffoli, mas porque as circunstâncias mudaram. “O Toffoli pegou o Judiciário em um momento de quase crise institucional, com ameaça do presidente de fechar o Supremo. Foi preciso de um diálogo para manter o equilíbrio”, diz.

Advogada criminalista e especialista em tribunais superiores, Flávia Guth caracteriza Fux como alguém com um perfil mais apaziguador e menos polêmico. Ela pontua que, se Fux perceber que determinada decisão atinge alguma política pública, ou questões financeiras, analisa a repercussão social e econômica da decisão. Por outro lado, em outras situações, como as que envolvem garantias pessoais, a atuação dele é mais dura. “Ele aplica a letra fria da lei, sem muita flexibilização”, diz.

Dom Pedro II

Aos amigos próximos e colegas do direito, Fux não esconde que o colégio no qual frequentou a educação básica é um de seus maiores orgulhos. O magistrado estudou no Colégio Pedro II, público, federal, local em que três ex-presidentes da República também passaram. O grêmio estudantil da instituição de ensino foi um dos mais engajados nas ações contra a ditadura militar. A escola é uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro.

Entre os colegas do ministro no Pedro II está o sambista Arlindo Cruz, que atualmente tem saúde delicada, e se recupera de um AVC sofrido em 2017. Fux costuma dizer que a passagem pela instituição de ensino foi um divisor de águas e é uma das experiências que ele dá mais valor no currículo. No âmbito familiar, ele diz que o pai, que não está mais vivo, foi uma grande referência na vida dele, assim como a mãe, que ele visita sempre que consegue ter um tempo entre a agenda do Supremo.

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Toffoli buscou gestão conciliadora 

07/09/2020

 

 

Após a grave crise vista neste ano entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Dias Toffoli é visto como um ministro que buscou uma gestão conciliadora com o governo federal, sempre no sentido de manter a ordem democrática. Professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo e especialista em STF, Rubens Glezer afirma que Toffoli deu ao governo do presidente Jair Bolsonaro uma “lua de mel”.

“Teve várias ações no Supremo questionando políticas públicas do governo Bolsonaro, e nenhuma foi colocada por ele em julgamento. A primeira derrota que o governo sofre é com a pandemia, e mesmo aí o limite que o Supremo deu foi muito leve”, diz, referindo-se à decisão do Supremo de dar aos governadores e prefeitos o poder de determinar as medidas restritivas durante a pandemia do novo coronavírus.

Especialista em direito constitucional, Vera Chemim avalia que Toffoli buscou um alinhamento de harmonia com os três Poderes. Mas, se por um lado a relação é boa e importante, por outro há uma “contaminação de natureza política no Judiciário”. “Muitos temas que foram pautados, me parecem que sutilmente favorecem o Executivo e Legislativo, e ao mesmo tempo enfraquecem, por exemplo, a Lava-Jato”, diz. Um dos casos é a prisão em segunda instância, entendimento derrubado no ano passado.

Para ela, apesar de o ministro ter sido um excelente administrador, “acabou expondo o Supremo a pressões políticas”. “Não é ruim, tem que haver harmonia. Mas com o diálogo vem a contaminação”, diz.

“Decisão mais difícil”

Em balanço feito na última sexta-feira, Toffoli lembrou do inquérito das fake news, aberto no ano passado e alvo de muita polêmica, quando procuradores e juristas apontam que os ministros estavam agindo como o Ministério Público. “A decisão mais difícil da minha gestão foi a abertura desse inquérito. Mas nós já observávamos algo que acontecia em outros países: o início de uma política de ódio implantada por setores que querem destruir as instituições para provocar o caos”, disse.

Ao ser questionado sobre a relação com o presidente Jair Bolsonaro, uma vez que alvos do inquérito são apoiadores do chefe do Executivo, ele disse que há extremistas em todo segmento político e que nunca observou ações antidemocráticas por parte de Bolsonaro. “Meu diálogo com o presidente Bolsonaro sempre foi brando e respeitoso, no sentido de manter a independência dos Poderes e sobre aquilo que cabe ao Supremo”, afirmou.

O trabalho de Toffoli no STF

31.777 decisões colegiadas em dois anos;

Redução de 70% de processos liberados e aguardando julgamento no plenário;

Investimento no digital: 95% dos feitos tramitam eletronicamente;

28.816 processos na Corte, o menor acervo nos últimos 24 anos, segundo o ministro, e uma redução de 30% em relação à 2018;

Polêmicas no Supremo

Confira três ações do ministro Dias Toffoli que foram alvos de críticas e questionamentos:

Inquérito das fake news: em abril de 2019, o ministro abriu inquérito que foi alvo de muitos questionamentos, principalmente o de que o Supremo estaria agindo como investigador. O caso teve muitos desdobramentos, como a quebra de sigilo de 10 deputados e de um senador;

Decisão sobre Coaf: em julho de 2019, o ministro acolheu pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e suspendeu as investigações que tivessem como base dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal sem autorização judicial. Em novembro, a liminar foi derrubada e o plenário autorizou o compartilhamento de informações sigilosas com MP e PF sem a necessidade de autorização judicial. O próprio Toffoli alterou voto;

Busca e apreensão no Congresso: a diferença de entendimentos no Supremo também foi alvo de questionamentos. Em julho deste ano, Toffoli suspendeu um mandado de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP), derrubando decisão de juiz de primeira instância, onde está o caso contra o tucano. Os ministros Marco Aurélio Mello e Rosa Weber tiveram entendimento diferente em relação aos deputados Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e Rejane Dias (PT-PI).