Correio braziliense, n. 20928, 10/09/2020. Brasil, p. 6

 

País manterá contrato para vacina de Oxford

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

Renata Rios 

10/09/2020

 

 

Um dia após o laboratório AstraZeneca anunciar a paralisação temporária dos estudos clínicos de fase três da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, a opinião de especialistas e do próprio Ministério da Saúde é a mesma: a pausa nos testes é uma situação habitual e necessária para a segurança. Por isso, o governo declarou, ontem, em coletiva, que o contrato entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o laboratório, feito para balizar a encomenda de doses do imunizante e, também, a transferência de tecnologia, não sofrerá qualquer alteração. A notícia da suspensão, porém, foi recebida no Palácio do Planalto como “um balde de água fria”, nas palavras de um auxiliar do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo o secretário-executivo da Saúde, Élcio Franco, contudo, “além do memorando de entendimento, o acordo da encomenda tecnológica já foi assinado eletronicamente entre a Astrazeneca e pelo Brasil, com a Fundação Oswaldo Cruz”. Em agosto, o presidente Bolsonaro assinou uma medida provisória para viabilizar recursos e garantir a parceria brasileira com a “vacina de Oxford”, como ficou conhecida. No acordo, está prevista a aquisição de 30 mil doses prontas ainda em 2020 e o repasse da tecnologia para que a Fiocruz consiga produzir a vacina nacionalmente. Quase R$ 2 bilhões já foram destinados à parceria.

O secretário-executivo afirmou que o risco de uma compra adiantada é inerente à conjuntura para qualquer país. “Vários países estão investindo na promessa de uma vacina segura de forma adiantada sob pena de não ter acesso à imunização quando essa for comprovada. É um risco medido e necessário sobre o aspecto clínico e tecnológico”, completou.

Franco reforçou, ainda, que pasta considera a suspensão dos testes natural e disse ser “muito cedo para fazer qualquer afirmação sobre falhas”. “Consideramos um procedimento padrão no processo de testagem. A segurança da população brasileira é a prioridade do governo federal e do Ministério da Saúde”, garantiu.

Pesquisadora da Fiocruz, a pneumologista Margareth Dalcolmo reforçou a fala. “Estamos perfeitamente acostumados. É uma coisa de rotina que pode ocorrer na presença de qualquer efeito que preocupe os pesquisadores, os patrocinadores de um estudo.  Não há nada que nos deixe surpresos”, afirmou, em entrevista ao Correio.

A principal hipótese que levou à decisão de paralisação é a de que um dos voluntários desenvolveu mielite transversa, um processo inflamatório que afeta a medula espinhal, mas o caso ainda está sendo investigado e, até que seja explicada a situação e eliminados os riscos, os testes ficarão suspensos. “A conduta foi, a meu juízo, corretamente tomada, com cuidado até excessivo, uma vez que foi tomada pelo patrocinador antes mesmo dos comitês de segurança, que têm autonomia e autoridade para suspender qualquer ensaio. A AstraZeneca teve esse cuidado e interrompeu”, opina Dalcolmo.

Para ela, não é possível prever por quanto tempo o cronograma ficará parado nem se haverá implicações na efetividade ou eficácia do processo vacinal, mas que o fato de se ter tomado essa conduta não pode ser utilizado como justificativa para movimentos anti-vacinas, muito pelo contrário. A expectativa, segundo a médica, é de que “esse rigor adotado resulte em uma volta dos ensaios de fase três de maneira mais tranquila e que a vacina possa ser finamente utilizada nas pessoas com toda segurança.”

Cronograma

Há previsão de atraso no cronograma de vacinação, mas, segundo Franco, ainda é cedo para identificar alguma variação no planejamento anunciado, uma vez que não se pode precisar por quanto tempo o estudo ficará essa paralisado. “É preciso aguardar e avaliar”, disse.

O secretário garantiu que o governo observa de perto outros imunizantes. “Em momento algum, o governo brasileiro considerou que a vacina da AstraZeneca fosse a bala de prata, a única solução. Optamos por ela por ser naquele momento, e ainda continuar sendo, a solução mais viável para a imunização da população”, declarou.

Diante da situação incerta, porém habitual, o diretor médico da Dasa Gustavo Campana ressaltou a importância de se ter vários estudos concomitantes em busca de um imunizante eficaz contra a covid-19. “É muito possível que a gente passe por aquilo que vimos acontecer com os testes (do novo coronavírus). Uma corrida global por consumo do mesmo produto. Então, quanto mais produtos tivermos para se ter uma cobertura vacinal maior pelo mundo todo, melhor”, ponderou, afirmando, ainda, ser possível que tenhamos mais de uma vacina disponível em um futuro próximo. “Nós acreditamos que, hoje, não é uma corrida para ver quem vai sair primeiro, mas, sim, para que a gente consiga fazer a maior cobertura global em termos de vacinação.”