Correio braziliense, n. 20928, 10/09/2020. Economia, p. 7

 

Corte de tributo para conter preço do arroz

Rosana Hessel 

Marina Barbosa 

10/09/2020

 

 

Incomodado com a alta de preço dos alimentos, que ameaça corroer a popularidade conquistada nos últimos meses. o presidente Jair Bolsonaro resolveu ir além de pedir “patriotismo” para os donos de supermercados. Ontem, convocou uma reunião extraordinária da Câmara de Comércio Exterior (Camex) determinando redução do Imposto de Importação do arroz, como forma baratear o produto para o consumidor.

No fim da tarde, o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Camex, que tem uma reunião ordinária agendada para amanhã, zerou alíquota do tributo para uma cota de 400 mil toneladas de arroz até 31 de dezembro. O Imposto de Importação do arroz é de 10%, para o com casca, e de 12% para o beneficiado.

A redução não compensa integralmente a alta acumulada do grão. O preço do principal item na mesa do brasileiro subiu 19,25% no ano enquanto a inflação oficial, de janeiro a agosto, ficou em 0,70%, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na avaliação do economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, o corte do imposto é uma das saídas que o governo pode buscar, em vez de apelar para o tabelamento ou congelamento de preços — medidas que não funcionaram em governos anteriores e em países vizinhos, que atravessam períodos de hiperinflação. Ainda ontem, Bolsonaro reafirmou que não pretende tabelar ou controlar preços.

“A redução do imposto torna o produto importado mais barato e muda o preço relativo entre importação e exportação. Em economia, tudo é decidido com relação ao preço relativo, muito mais do que no preço absoluto”, afirmou Braz. Segundo ele, o governo pode fazer o mesmo com os demais produtos da cesta básica, como o feijão e o óleo de cozinha.

O aumento da demanda por alimentos durante a pandemia, impulsionada pelo auxílio emergencial de R$ 600, e o avanço das exportações de commodities para a China, que está estocando comida, são alguns dos motivos apontados para o encarecimento da cesta básica. Entidades especializadas apontam que ela já está mais cara do que os R$ 300 do novo auxílio emergencial definido pelo governo a partir deste mês até o fim ano. O benefício ajudou a catapultar a popularidade de Bolsonaro, principalmente, no Norte e no Nordeste, regiões com maior número famílias pobres que dependem da ajuda do governo.

Não à toa, um “gabinete de crise” foi montado no Palácio do Planalto para acompanhar a situação. “O Planalto já captou o mau humor da população mais pobre. As cobranças sobre a alta de preços do arroz, do feijão, do leite, do açúcar e do óleo já chegaram aos ouvidos de Bolsonaro. Ele sabe o tamanho do risco que corre se a inflação dos alimentos se consolidar”, disse um dos assessores do presidente.

O pedido para a redução do imposto ao Gecex foi feito pela ministra da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, que garantiu que “não vai faltar arroz no país”.  Conforme nota da pasta, a estimativa de produção na próxima safra (2020/21), que começou a sem plantada, é de 12 milhões toneladas, alta de 7,2% em relação à safra anterior.

O coordenador de Índices de Preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, lembrou que o arroz não é o único produto da cesta básica que vem sendo pressionado pela alta do dólar e pelo aumento das exportações. Por isso, diz que a tendência ainda é de preços em alta. “A desvalorização cambial vai continuar pressionando os preços dos alimentos”, destacou.

Notificação

Ontem à tarde, Bolsonaro recebeu o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, que disse ter explicado ao chefe do Executivo que os produtores estão aproveitando o dólar valorizado para exportar e recuperar os prejuízos passados.

 “O produtor prefere exportar porque o câmbio está alto e por isso ele tem uma valorização maior do seu produto, uma receita maior”, disse Neto a jornalistas. Ele não estimou quando os preços voltarão a cair, mas sugeriu uma substituição para o arroz. “Tem um lado psicológico que pode ser que afete aí. O fato de consumir mais macarrão já faz uma regulagem do preço. O que precisa, sim, é entrar mais produto”, afirmou.

Apesar da reunião com o presidente, a Abras foi uma das 65 entidades e empresas notificadas ontem, pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para responderem, em cinco dias, aos questionamentos sobre o aumento dos preços da cesta básica. O órgão vai avaliar se houve cobrança abusiva na pandemia, o que pode gerar sanções administrativas e multas superiores a R$ 10 milhões por infração aos direitos do consumidor.  (Colaboraram Ingrid Soares e Augusto Fernandes)

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Comida e gasolina põem IPCA em rota de subida 

Marina Barbosa 

Jailson R. Sena 

10/09/2020

 

 

Pressionada pela disparada dos alimentos e pelos reajustes da gasolina, a inflação avançou 0,24% em agosto. O índice é o maior para o mês desde 2016 e pesa ainda mais no bolso das famílias de baixa renda, que dedicam uma parcela maior do orçamento mensal à compra da cesta básica. A alimentação no domicílio subiu bem mais do que isso: 1,15% só no mês passado.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao aumentar 3,22%, a gasolina também ajudou a puxar o IPCA do mês. O índice só não foi maior por conta dos descontos concedidos às mensalidades escolares durante a pandemia (-4,38%) e porque itens não essenciais, como vestuário (-0,78%), seguem com a demanda reprimida e, consequentemente, com os preços em baixa.

Com o resultado de agosto, o IPCA acumulou alta de 0,70% no ano e de 2,44% nos últimos 12 meses, ainda abaixo do piso da meta oficial, de 2,5%.

Esses números baixos, porém, não fazem sentido para a maior parte da população brasileira, por causa do aumento das despesas com alimentação e bebidas. Segundo o IBGE, esse grupo de produtos subiu 0,78% em agosto e 4,91% no ano. A alta foi ainda maior na alimentação em domicílio, que se tornou mais importante durante o isolamento social e já encareceu 6,10% no ano.

Produtos essenciais para o dia a dia dos brasileiros dispararam de preço recentemente. O arroz subiu 3,08% em agosto e 19,25% no ano. Já o feijão acumula alta de 12,12% em 2020; o óleo de soja, de 18,63%; e o leite longa-vida de 22,99%.

Prato feito

 Por isso, já é preciso gastar R$ 7,13 para preparar um prato feito (PF) em casa. É 20% a mais que no mesmo período do ano passado (R$ 5,94) e 3,8% a mais que no início da pandemia de covid-19 (R$ 6,87), segundo cálculos da consultoria GfK.

“Houve uma intensificação na inflação dos alimentos e isso desafia, sobretudo, as famílias mais pobres pois, que gastam maior percentual da renda com comida”, lembrou o coordenador de índices de preços do Ibre-FGV, André Braz.

Por conta disso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a variação de preços entre as famílias que ganham até cinco salários mínimos, também está acima da inflação oficial. Segundo o IBGE, o INPC subiu 0,44% em agosto, 1,16% no ano e 2,94% nos últimos 12 meses.

A veterinária Sonia Souza, de 70 anos, disse que está difícil fazer compras. “Tive de deixar produtos não essenciais para economizar”, contou ela, que foi afetada, sobretudo, pelo preço do arroz. Gerente de uma lanchonete, Manoel Messias também se queixa do arroz, mas lembra que este não é o único item da cesta básica que está mais caro. “Parei de fazer pão de queijo por causa do preço do ovo. Não está compensando”, disse.

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Supermercados temem desabastecimento no DF

Jaqueline Fonseca 

10/09/2020

 

 

Além de gerar reclamações entre os brasilienses, a alta dos preços dos alimentos no Distrito Federal, sobretudo da cesta básica, preocupa os donos de supermercados. O Sindicato dos Supermercados do DF (Sindsuper) emitiu nota, na tarde de ontem, na qual aponta para “algumas práticas abusivas de preço” e alerta para “um possível desabastecimento”.

Na nota, a entidade afirma que os varejistas tem se esforçado para manter os preços e atribui a responsabilidade pela carestia ao setor agropecuário. “Os setores agrícolas com suas necessidades comerciais, incentivos fiscais a exportação que melhoram e muito a balança comercial brasileira, deixaram o mercado interno em sinal de alerta com relação ao desabastecimento em um momento tão delicado de pandemia que passamos agora”, diz a nota.

De acordo com dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), o preço dos alimentos, na capital, chegou a subir 24,39% entre julho e agosto, como foi o caso do tomate, produto com a maior alta.

Reclamações

O arroz aumentou 6,31% de um mês para o outro e tem sido um dos principais alvos de reclamação do brasiliense. Moradores da capital e do entorno dizem que o preço do pacote de cinco quilos do arroz chega a R$ 30 em alguns supermercados.

Outros itens da cesta básica, como óleo de soja (13,98%), carne (6,31%) também tiveram aumentos expressivos. Entre nove grupos de produtos e serviços analisados no DF, seis tiveram aumento em agosto. Além dos alimentos, houve destaque para o setor de transporte. A gasolina, por exemplo, chegou ao terceiro mês seguido de alta, com variação de preço 5,73% maior, seguida pelo etanol, pneu e óleo diesel.