Título: Marina lança partido e já fala em Planalto
Autor: Mader, Helena; Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2013, Política, p. 2

Os fundadores da Rede Sustentabilidade se mobilizaram ontem, durante o lançamento da legenda, para rejeitar o rótulo de “partido da Marina Silva” e repetir, em uníssono, que a nova agremiação política — que chegou a ter o nome proviório de Rede pró-Partido — não tem fins eleitorais. Mas, nos discursos dos líderes e dos militantes, a ex-candidata do PV à Presidência da República surgiu de maneira inquestionável como a estrela do partido e figura central do movimento, que tem como bandeiras a ética, a justiça social e a sustentabilidade. A tentativa de desvincular a criação da legenda das eleições de 2014 também fracassou: a vereadora de Maceió Heloisa Helena, ex-candidata do PSol à Presidência, lançou Marina Silva para a disputa ao Palácio do Planalto. “É uma possibilidade, mas por enquanto é apenas uma possibilidade”, desconversou a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente. Chamados de “sonháticos”, muitos apoiadores desfilavam com camisas estampadas com os dizeres “Marina 2014”.

O encontro, realizado em uma casa de eventos à beira do Lago Paranoá, custou R$ 150 mil, e os recursos foram rateados pelos apoiadores do novo partido. As estruturas eram de materiais sustentáveis e os organizadores distribuíram canecas para evitar o uso de copos plásticos. Parlamentares que pretendem migrar para a Rede, como os deputados federais Domingos Dutra (PT-SP) e Walter Feldman (PSDB-SP), dividiram o palanque com Marina e Heloisa Helena. Mas algumas ausências foram sentidas, como a do deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ), que enviou uma carta lida no encontro.

O deputado Reguffe (PDT-DF) e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que são entusiastas do projeto, mas negam a mudança de legenda, também passaram pelo evento de lançamento da Rede. Colaboradores, como a empresária e socióloga Maria Alice Setubal, discursaram no evento, defendendo a proposta de um novo caminho na política. O empresário Guilherme Leal, da Natura, que foi candidato a vice na chapa de Marina em 2010, mandou uma carta de apoio. O ator Wagner Moura enviou um vídeo e foi bastante aplaudido.

O ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco, que coordenou a campanha do PV à Presidência, foi o primeiro a tentar evitar o personalismo em torno da legenda. “Não podemos tratar a nossa maior liderança como a dona do partido. Esse não é o partido da Marina”, discursou Capobianco. O vereador paulistano Ricardo Young (PPS) seguiu a mesma linha e ainda tentou desvincular a legenda da disputa de 2014. “Há pessoas olhando para esse processo eleitoralmente, mas só vamos construir o novo agindo de forma nova”, disse.

No entanto, nem mesmo os militantes encamparam essas teses. O interesse em torno de Marina era tanto que muitos fizeram fila para tentar tirar fotos ao lado da estrela da Rede Sustentabilidade. Um dos organizadores do evento teve que pegar o microfone para pedir aos participantes que não fizessem tumulto durante os discursos. Coube à vereadora Heloisa Helena declarar publicamente o que todos ali já sabiam: os militantes querem ver Marina candidata ao Planalto. “Eu entendo quando dizem que este não é o partido da Marina, também sou assim, não aceito o personalismo. Mas eu preciso dizer que me sinto feliz em ser sua soldada, em ser conduzida por você, Marina”, disse a vereadora, ainda oficialmente no PSol. E disparou em seguida: “Por mais que a Marina não goste que digamos isso, quero vê-la disputando a eleição presidencial em 2014”, completou Heloisa Helena, gerando o momento de maior comoção dos militantes. Todos levantaram e começaram a cantar “Brasil urgente, Marina presidente”.

Ativismo À tarde, durante uma rápida entrevista coletiva à imprensa, Marina Silva ainda tentava se esquivar da posição de estrela do partido. Ela se sentou na segunda fileira, misturada a outros militantes. “Gente, nós somos uma rede, queremos quebrar o modelo atual de partido”, explicava um dos apoiadores de Marina, diante dos apelos dos jornalistas para que ela se posicionasse à frente. Assim como fizera durante o discurso aos apoiadores, ela falou que o Brasil passa por uma “crise civilizatória”, e afirmou que existe um mal-estar com relação ao momento enfrentado pelo país. “Saímos da fase do ativismo dirigido pelo sindicato, pela ONG, pelo DCE, e hoje estamos na fase do ativismo autoral, graças à ajuda da internet”, explicou Marina.

Questionada sobre o direcionamento político da legenda, ela disse que a Rede Sustentabilidade “não será de direita e tampouco de esquerda”. “Nem um nem outro, estamos à frente. Não seremos oposição nem situação. Vamos assumir posição”, explicou. “Se a presidente Dilma Rousseff fizer algo bom para o país, vamos apoiar. Se quiser passar algo como o Código Florestal, por exemplo, ficaremos contra”, acrescentou. Ela garantiu que o novo partido poderá fazer alianças com outras siglas, mas com restrições. “As alianças serão pontuais, com qualquer partido com que tenhamos afinidade programática. A ideia é manter a coerência do discurso”, acrescentou Marina. Para que o partido saia do papel, os militantes terão que reunir quase 500 mil assinaturas e aprovar o processo no Tribunal Superior Eleitoral (leia mais na página 4). É preciso concluir o processo até outubro para que os filiados possam disputar as eleições do ano que vem.

“As alianças serão pontuais, com qualquer partido com que tenhamos afinidade programática. A ideia é manter a coerência do discurso” Marina Silva, fundadora da Rede Sustentabilidade

“Não podemos tratar a nossa maior liderança como a dona do partido. Esse não é o partido da Marina” João Paulo Capobianco, ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente

Princípios da Rede Sustentabilidade Confira diretrizes da legenda de Marina Silva discutidas na reunião de ontem, em Brasília

» Reserva de pelo menos 30% das vagas da direção do partido para pessoas sem filiação partidária.

» Criação de teto para doações, com variações de acordo com o cargo a ser disputado. O princípio é o de “muitos doando pouco”.

» O partido não aceitará doações de indústrias de armas, de tabaco, de bebidas alcoólicas e de agrotóxicos.

» Transparência no registro das doações, com divulgação em tempo real dos repasses de recursos.

» Os filiados só poderão se candidatar à reeleição uma única vez. O tema é polêmico e ainda deve ser discutido. Há possibilidade de abrir exceções para figuras de destaque.

» O partido terá um ouvidor, que poderá realizar audiências públicas sobre temas de interesse dos militantes.

» Haverá cotas para índios e negros, por exemplo, para que o partido tenha diversidade.

Linha do tempo/ Confira a trajetória política de Marina Silva

1958 Nasce Maria Osmarina Silva Vaz de Lima, em 8 de fevereiro, em Rio Branco.

Década de 1970 Deu início à carreira política ainda adolescente militando nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), ligadas à Igreja Católica.

1984 Com Chico Mendes, funda a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre. Ex-seringueira, formou-se em história pela Universidade Federal do estado. Enquanto estudante, fez parte do Partido Revolucionário Comunista (PRC), grupo semiclandestino de oposição ao regime militar.

1985 Filia-se ao Partido dos Trabalhadores (PT).

1988 Eleita vereadora de Rio Branco.

1990 Torna-se deputada estadual.

1994 Aos 36 anos, é eleita a senadora mais jovem do país.

2002 Reeleita senadora.

2003 Passa a integrar a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministra do Meio Ambiente.

2007 Recebe o maior prêmio das Nações Unidas na área ambiental, o Champions of the Earth (Campeões da Terra).

2008 Deixa o Ministério do Meio Ambiente.

2009 Desfilia-se do PT e passa a fazer parte do Partido Verde (PV).

2010 Concorre à Presidência da República pelo PV e termina terceira colocada entre nove candidatos, com 19,33% da porcentagem total. Teve 19.636.359 votos válidos em todo o território nacional.

2011 Acaba o mandato no Senado e se desfilia do PV.