Título: Os obstáculos para o sonho se concretizar
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2013, Política, p. 4
O Brasil tem hoje 30 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. O número alto de siglas chama a atenção e é alvo frequente de críticas, especialmente por conta da atuação fisiológica de alguns líderes. Mas as estatísticas passam uma falsa impressão de que tirar uma legenda do papel é tarefa simples. Para criar um partido, é preciso preencher uma lista extensa de exigências, o que chega a levar anos e gera custo na casa dos milhões. Após conseguir o registro no TSE, os agremiados podem pleitear benesses como tempo de rádio e televisão para propaganda e recursos do fundo partidário — que, no ano passado, somaram R$ 286 milhões. Para passar a figurar na lista de siglas brasileiras, os apoiadores do novo partido lançado ontem pela ex-candidata do PV à Presidência Marina Silva terão que cumprir um périplo, que inclui a coleta de quase 500 mil assinaturas.
O Correio entrevistou envolvidos na criação das siglas mais recentes do país para traçar um panorama sobre o desafio de iniciar do zero uma legenda política. Todos reclamam do número grande de exigências e da burocracia. Para que os filiados do novo partido de Marina possam disputar as eleições do ano que vem, é preciso ingressar na legenda até outubro — 12 meses antes das eleições de 2014. Os “sonháticos”, como são chamados os apoiadores de Marina Silva, terão que montar uma mobilização inédita para conseguir lançar o partido em menos de oito meses.
O advogado Paulo Fernando Melo da Costa, especialista em direito eleitoral, atuou diretamente na criação do Partido Ecológico Nacional (PEN), que saiu do papel em junho do ano passado. Com base na experiência adquirida na empreitada, ele acredita que os “sonháticos” não vão conseguir registrar o novo partido em menos de oito meses. “São muitas exigências. E não basta coletar 495 mil assinaturas, já que elas não podem ser recolhidas aleatoriamente, mas por zona eleitoral. Essas assinaturas são conferidas uma a uma com base nos registros do eleitor e comparadas com as firmas deixadas nas eleições anteriores. Ou seja, quem assinar precisa ter votado na última eleição”, diz o advogado.
Exigências legais Paulo Fernando explica que é necessário aprovar o pedido de criação do partido no Tribunal Regional Eleitoral de cada um dos nove estados onde os políticos precisam coletar assinaturas. “O TRE tem que julgar os processos, qualquer desembargador pode pedir vista. E obviamente há influências políticas. Em alguns estados, tivemos que esperar quase um ano para que o TRE aprovasse o pedido”, acrescenta o advogado. “No caso do PEN, esperamos quase três anos até cumprirmos todas as exigências legais”, relembra. Ele estima em cerca de R$ 2 milhões o custo para tirar uma legenda do papel. Esse valor inclui a contratação de advogados nos estados, o aluguel de estruturas e comitês para coleta de assinaturas e o transporte de lideranças e assessores jurídicos para Brasília, onde é concluído o processo de registro. “Para fazer isso com tanta rapidez, o custo pode chegar a cerca de R$ 5 milhões. Só mesmo com muita mobilização para criar esse partido até outubro”, avalia Paulo.
O especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, que atuou na fundação do PSD em 2011, lembra que os parlamentares que migrarem para o novo partido de Marina terão que fazer a mudança em um prazo de até 30 dias, para que não sofram processo por infidelidade partidária. Para o advogado, Marina Silva deve ter mais facilidade para cooptar políticos do que o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que tirou o PSD do papel. “O PSD já nasceu grande porque o Kassab tinha contato com lideranças políticas de vários estados. Mas a Marina Silva vai conseguir atrair muita gente porque é uma figura que tem a simpatia da população e conseguiu 20 milhões de votos nas eleições presidenciais. Isso é muito significativo”, comenta o especialista. “As pessoas vão procurar o partido dela em busca de espaço. A Marina tem muito apelo, um poder de persuasão grande”, enfatiza.
As regras Saiba como criar um partido político no Brasil
» Os criadores têm que apresentar um requerimento a um cartório do Distrito Federal, assinado pelos seus fundadores. São necessárias pelo menos 101 pessoas para começar a legenda, com domicílio em, no mínimo, um terço dos estados brasileiros, ou seja, nove unidades da Federação.
» Depois disso, o partido é registrado pelo oficial de registro civil.
» A partir daí, é necessário conseguir apoio equivalente a pelo menos 0,5% dos votos válidos registrados na última eleição para a Câmara dos Deputados, o equivalente a quase 500 mil assinaturas. Esses apoiadores precisam estar em pelo menos nove unidades da Federação.
» A lei diz que só o partido que tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral pode participar do processo eleitoral, receber recursos do fundo partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão.
» É vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou a confusão.
» Depois da criação, os dirigentes nacionais têm que fazer o registro do partido no TSE. O requerimento deve trazer um exemplar com o inteiro teor do programa e do estatuto do partido, além de certidões emitidas pelos cartórios eleitorais que comprovem a assinatura do número obrigatório de apoiadores.
» Se não houver questionamentos, o TSE registra o estatuto do partido em um prazo de até 30 dias.
Os principais Confira quais são os partidos que recebem mais recursos do fundo partidário e a quantidade de filiados de cada um
O partido criado em 1982 e hoje presidido por Rui Falcão recebeu, no ano passado, R$ 43,2 milhões em recursos do fundo partidário. Segundo o último levantamento do TSE, a sigla tem 1.394.202 filiados.
A legenda existe desde 1981 e é presidida interinamente pelo senador Valdir Raupp. Em 2012, o partido recebeu R$ 36,3 milhões em recursos do fundo partidário. Em 2010, o PMDB tinha 2.315.651 filiados.
Criado em 1989, o PSDB hoje presidido pelo deputado Sérgio Guerra tem 1.315.527 filiados, segundo o TSE. No ano passado, os tucanos receberam R$ 30,1 milhões em recursos do fundo partidário. Criado em 1986, então como PFL, o DEM recebeu R$ 18,1 milhões do fundo partidário em 2012. Em 2010, a legenda tinha 1.102.825 filiados regularmente inscritos.
O Partido Progressista saiu do papel em 1995 e hoje tem à frente o senador Francisco Dornelles. Recebeu R$ 20,6 milhões em recursos do fundo partidário em 2012.
O PSB, presidido pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, foi criado em 1988. No ano passado, os socialistas receberam R$ 20 milhões do fundo partidário. A legenda tem 492.705 filiados, segundo o TSE.
Criado em 1981, o PDT, hoje presidido por Carlos Lupi, recebeu R$ 14,4 milhões do fundo partidário no ano passado. Segundo o último levantamento, os pedetistas somavam 947.178 em todo o país.