Correio braziliense, n. 20929, 11/09/2020. Mundo, p. 14

 

ONG acusa Bolívia de perseguir adversários

11/09/2020

 

 

Um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) revela que o governo da presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, abusa do sistema judicial para perseguir o antecessor Evo Morales e aliados políticos. Segundo o documento, as acusações de terrorismo imputadas ao ex-presidente parecem “politicamente motivadas”. Autor do relatório e pesquisador da HRW, César Muñoz disse ao Correio que o documento — intitulado A justiça como arma: Perseguição política na Bolívia — mostra que os 14 anos de governo Morales  levaram a um enfraquecimento do Judiciário no país. “Isso deu-se por reformas aprovadas na época, com eleições dos membros dos tribunais. Ao mesmo tempo, houve casos de motivação política em processos contra opositores de Evo. Depois da renúncia dele, em novembro passado, Áñez teve oportunidade de romper com o passado e fortalecer a Justiça. Ela não fez isso, mas utiliza o sistema judicial para impulsionar processos com enormes irregularidades”, explicou.

De acordo com Muñoz, mais de 150 pessoas associadas a Morales respondem a processos. “Nós investigamos o caso contra Evo Morales e outros 20 processos. Vimos enormes problemas. Pessoas foram indiciadas sem nenhuma evidência de crime. Algumas por criticarem o governo, acusadas de sedição. Em outras situações, a denúncia mostra-se desproporcional. Houve pessoas denunciadas por terrorismo por condutas que, claramente, não são terrorismo. Isso envolve o caso contra Morales, condenado a 20 anos”, comentou o autor do relatório. “No processo contra Evo, os promotores dizem que ele comandou a violência, mas não há nenhuma evidência disso. É uma acusação sem provas.”

A HRW recomendou ao Ministério Público da Bolívia que retire as denúncias contra Morales e contra outros cidadãos acusados injustamente. “O governo usa o sistema judicial como arma contra opositores políticas. Ele viola a independência do Judiciário, o que é extremamente preocupante, pois tal Poder é fundamental para o funcionamento da democracia”, disse Muñoz. Ele demonstrou preocupação com o histórico de violações dos direitos humanos por parte do governo de Áñez.

“Ao assumir o poder, Jeanine assinou um decreto para afastar a responsabilização das Forças Armadas por abusos dos direitos humanos. Houve grande protesto internacional e ela recuou. Depois, fez um decreto sobre o novo coronavírus para punir pessoas que divulgassem informação erradas. Vimos isso como ameaça contra a liberdade de expressão. O decreto também foi retirado”, acrescentou Muñoz, que também citou violações da independência de Poderes, com processos contra juízes e representantes de um órgão equivalente ao Ministério Público. (RC)