Correio braziliense, n. 20929, 11/09/2020. Cidades, p. 20

 

Vivemos um "luto coletivo"

Jéssica Gotlib 

11/09/2020

 

 

Todas as pessoas sofreram perdas com as diversas crises causadas pelo surto mundial da covid-19, seja a nível profissional, educacional, ou pessoal — com a morte de alguém para a doença. Isso faz com que vivamos um processo de “luto coletivo”, como explica Larissa Polejack, doutora em psicologia e diretora de Atenção à Saúde da Comunidade da Universidade de Brasília (UnB).

“Quando a gente olha para mais de cem mil mortos, não é possível que a gente mantenha os olhos fechados e não perceba que, como sociedade, a gente está vivendo um luto coletivo. Seja um luto pela morte de muitos brasileiros, seja um luto de projetos de vida. Um trabalho que eu tinha pensado, um estudo que eu ia fazer fora, o ano letivo. Várias coisas mudaram”, detalha.

A pesquisadora falou ao CB.Saúde — uma parceria do Correio com a TV Brasília —, ontem, e traçou um panorama dos diversos riscos à saúde mental que a pandemia apresenta.

Sofrimentos distintos

Apesar de ser um fenômeno experienciado por toda a sociedade, Polejack ressalta que cada um reage de maneiras diferentes aos fatos. Por um lado, há uma negação “extremamente perigosa, tanto para você quanto para as pessoas com as quais você convive”, observa. “Quanto mais a gente negar que a gente está vivendo, de fato, uma crise sanitária, que a gente está vivendo, de fato, um risco para todos nós, menos a gente vai se cuidar, mais mortes a gente vai ter e mais tempo a gente vai passar nessa situação”, alerta.

Para ela, a pior consequência desse comportamento são as mortes registradas em todo o país. “Se seguirmos desse jeito, o que vai acontecer é que nós vamos ter perdas cada vez mais próximas. Se antes era alguém que eu via no jornal, depois passou a ser o tio de alguém. E tem gente que já está vivendo a perda do pai, a perda da mãe, a perda do filho”, frisa.

Procura por ajuda

Problemas complexos, como abuso de entorpecentes, também têm sido recorrentes durante a pandemia. “A gente tem identificado o uso abusivo de álcool e outras drogas, isso ao longo de toda a pandemia”, explica a psicóloga. Como consequência de todo esse contexto, a busca por auxílio profissional aumentou.

No caso dos atendimentos feitos pela UnB, a demanda cresceu, especialmente, com a expectativa do retorno às atividades. “Nas últimas três, quatro semanas, a gente tem identificado um aumento na demanda por atendimento psicológico. Entre as principais queixas estão: ansiedade, depressão e o receio dessa volta — porque a UnB teve uma retomada das aulas, mesmo que remota —, então tem o medo de não dar conta”, analisa.

O primeiro passo

Segundo a psicóloga, o primeiro passo para superar todas essas crises é reconhecê-las. “A gente precisa entender isso, não no sentido de entrarmos todos em depressão coletiva e falarmos todos: ‘Pronto, perdemos’. Mas, o luto precisa ser vivenciado para que a gente possa, como um grupo, como sociedade, sair dele. Quanto mais a gente negar que a gente está vivenciando essa pandemia, mais sofrimento a gente vai ter”, argumenta.

Polejack conclui: “Uma das questões importantes que a gente fala em qualquer terapia que você vai fazer é que o primeiro passo, de você querer fazer uma terapia, já é o começo do tratamento”.

A entrevista completa pode ser vista no site e nas redes sociais do Correio. O CB.Saúde vai ao ar toda quinta, às 13h20.