Valor econômico, v. 21, n. 5089, 18/09/2020. Brasil, p. A4

 

Comissão Europeia avalia separar acordo com Mercosul

Daniela Chiaretti

Assis Moreira

18/09/2020

 

 

Divisão não exige aprovação unânime do Conselho Europeu e dos 27 Parlamentos

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, estuda a possibilidade de separar o pilar de comércio do acordo UE-Mercosul, para tentar diminuir as dificuldades na sua tramitação, conforme o Valor apurou.

O exame do chamado “splitting”' está sendo tratado com discrição pela comissão. Persiste forte ceticismo sobre os rumos do acordo com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, considerando-se aspectos relacionados a desmatamento, direitos dos povos indígenas e outros temas que estão no radar europeu.

A associação entre a UE e o Mercosul tem três pilares: questões políticas e de segurança, cooperação econômica e institucional, e livre-comércio.

Ao fazer uma separação desses pilares, a parte de comércio não irá requerer unanimidade no Conselho Europeu (governos) nem a ratificação pelos Parlamentos dos 27 países-membros. A comissão, que negociou o tratado e quer sua aprovação, pode então enviar o texto para o Parlamento Europeu.

Se o sinal verde do Parlamento Europeu for dado, os compromissos de liberalização comercial poderão entrar em vigor provisoriamente. “Quanto mais rápida a aprovação do pilar comercial, mais rápido o benefício para a Europa”, diz uma fonte da Comissão Europeia. A estimativa é de que a redução de tarifas de importação no Mercosul representará economia de € 4 bilhões para companhias europeias. Um documento europeu registra que o Mercosul é um mercado para 60,5 mil empresas do bloco.

Já as partes política e de cooperação do acordo dependerão da ratificação do texto pelos 27 Estados membros da UE. Incluem 49 artigos em diversas áreas estratégicas, como defesa, cibersegurança, ciência, tecnologia e inovação, direitos do consumidor e desenvolvimento sustentável.

“A Comissão Europeia está atualmente fazendo uma avaliação jurídica sobre a possibilidade de dividir o acordo ou não. Uma vez concluída a avaliação, a comissão tomará uma decisão e apresentará a proposta ao Conselho Europeu, que em seguida vota o acordo”, disse uma fonte europeia que acompanha a discussão de perto.

Os ministros de comércio da UE vão se reunir no domingo e na segunda-feira em Berlim, e poderiam discutir informalmente o “splitting”' no acordo com o Mercosul. O que é certo é que o ambiente político não é favorável ao acordo UE-Mercosul.

O presidente Jair Bolsonaro tem reputação muito ruim na Europa. Até mesmo a Alemanha, que sempre defendeu o tratado com o Mercosul, recuou ultimamente. Isso ocorre justamente quando está na presidência rotativa da UE.

“Até o governo alemão virou crítico do acordo UE-Mercosul por causa dos incêndios desastrosos e das enormes taxas de desmatamento na Amazônia”, disse a deputada Anna Cavazzini, do Partido Verde alemão.

A ministra da Agricultura alemã, Julia Klöckner, disse no começo do mês, à margem de uma reunião informal de ministros da agricultura europeus, que “nós, os ministros da Agricultura, estamos muito céticos [sobre a ratificação do acordo]. E posso realmente falar por praticamente todos os ministros aqui”.

Ministros da Agricultura europeus normalmente se colocam na defensiva. O ministro alemão da Economia, Peter Altmaier, foi mais prudente ao analisar os comentários recentes da chanceler Angela Merkel, que confessou ceticismo em relação ao acordo UE-Mercosul.

Conforme o ministro, as observações de Merkel não deveriam ser consideradas uma decisão concreta sobre os próximos passos no que diz respeito ao acordo. Lembrou que a decisão será tomada por todos os estados-membros da UE no Conselho Europeu.

No começo desta semana, o ministro alemão de Cooperação e Desenvolvimento, Gerd Müller, disse em um comunicado à imprensa: “Se você deseja importar soja, deve fornecer evidências de que não foi cultivada em áreas florestais desmatadas. Isso tira a pressão sobre as florestas tropicais e protege o nosso clima. Para fazer isso, também temos que olhar de perto a implementação dos requisitos de sustentabilidade, por exemplo, do acordo. Bruxelas deve garantir que os abrangentes compromissos de sustentabilidade acordados sejam implementados”.

Na Comissão Europeia, a posição no momento, segundo um alto funcionário, é de que a revisão jurídica do acordo com mais de mil páginas seja concluída em outubro. E só depois o “splitting”' será examinado no acordo.

Já fonte do Mercosul nota que há pontos pendentes na revisão do acordo, mas nada que exija uma negociação no momento.

Recentemente, um representante do Serviço Europeu para a Ação Externa afirmou no Parlamento Europeu que o texto do acordo ainda pode sofrer alterações por se encontrar em processo de escrutínio jurídico-linguístico. Depois de feita a revisão, haverá a tradução para 23 idiomas e apresentação ao conselho, mas somente no início de 2021. Ou seja, quando Portugal terá então a presidência rotativa da UE.

Quando questionado por um parlamentar se a Comissão Europeia pretende dividir o acordo, o funcionário respondeu que é muito cedo para dizer, e Bruxelas examina caso a caso. A UE já fez essa separação em acordos com o Vietnã e com Cingapura, também para acelerar a aplicação da parte comercial.