Valor econômico, v. 21, n. 5089, 18/09/2020. Política, p. A12

 

Marco Aurélio suspende tramitação de inquérito contra Bolsonaro

Isadora Peron

Luísa Martins

18/09/2020

 

 

Ministro também decidiu enviar ao plenário o recurso apresentado para que o presidente possa prestar depoimento por escrito

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu suspender a tramitação do inquérito aberto contra o presidente Jair Bolsonaro e enviar ao plenário o recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para que ele possa prestar depoimento por escrito. Ainda não há data para que o caso seja avaliado pelo colegiado, mas há a expectativa de que a maioria da Corte derrube a decisão do decano Celso de Mello, que determinou que a oitiva fosse presencial.

Celso de Mello é o relator original do inquérito que investiga as denúncias do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal (PF). Como ele está de licença médica até o dia 26, o recurso apresentado pela AGU foi enviado ao gabinete de Marco Aurélio Mello, que é o segundo ministro mais antigo da Corte.

Em seu despacho, Marco Aurélio afirmou que é “avesso à autofagia”, numa referência de que não achava correto cassar, sozinho, a decisão do colega. “Mostra-se inadequada a atuação individual objetivando aferir o acerto, ou não, de entendimento do relator. Avesso à autofagia, cabe submeter ao pleno o agravo formalizado, para uniformização do entendimento.”

O ministro disse que, como a PF intimou Bolsonaro a prestar depoimento na próxima semana, ele decidiu suspender a tramitação do inquérito até que haja uma decisão do plenário.

Na semana passada, Celso de Mello determinou que o interrogatório deveria ser presencial. A PF, então, intimou o presidente e pediu para que a oitiva ocorresse entre os dias 21 e 23.

O depoimento por escrito é visto com bons olhos por uma ala da Corte, principalmente para evitar novos confrontos com o Poder Executivo. Há, inclusive, precedente no STF, já que o ministro Luís Roberto Barroso concedeu o benefício ao ex-presidente Michel Temer, quando ele ocupava o Palácio do Planalto.

Para Celso de Mello, no entanto, Bolsonaro só teria essa prerrogativa se fosse testemunha ou vítima, mas não sendo um investigado formal do inquérito.

De acordo com um ministro, a expectativa é que pelo menos seis se posicionem favorável à possibilidade de Bolsonaro prestar depoimento por escrito.

Parte dos integrantes da Corte, no entanto, tem demonstrado desconforto com a possibilidade de anular uma determinação do decano, que se aposenta em novembro. Eles poderiam optar por um caminho do meio e defender que essa é uma decisão que cabe ao relator.

O presidente da Corte, Luiz Fux, deve aguardar a manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de pautar o recurso no plenário. Ele também deve ouvir o decano e verificar o quórum do plenário para as próximas sessões. Segundo interlocutores do ministro, ele entende que casos dessa importância devem ser julgados pela composição completa do Tribunal.

Ontem, em sua “live”, Bolsonaro comentou a decisão de Marco Aurélio. “Se Deus quiser, a gente enterra logo esse processo e acaba com essa farsa desse ex-ministro da Justiça de me acusar de forma leviana”, disse.

Ele também fez uma crítica velada ao decano. “Agora, o inquérito continua e o ministro relator Celso de Mello queria que eu depusesse de forma presencial respondendo perguntas para dois advogados do Moro e o próprio Sergio Moro. O Moro não tem que perguntar nada para mim”, disse.

Apesar da declaração, não seria Moro quem participaria do depoimento, e sim os advogados que representam o ex-ministro.