O Estado de São Paulo, n.46277, 30/06/2020. Política, p.A10

 

‘Diligência’ de aliada de Aras será investigada

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

Rayssa Motta

30/06/2020

 

 

Corregedoria do MPF vai apurar pedido de dados sigilosos da Lava Jato, como informações das últimas nove eleições

Informações. A subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, em sessão do CNJ

A corregedora-geral do Ministério Público Federal (MPF), Elizeta Maria de Paiva Ramos, determinou ontem a instauração de uma sindicância para apurar a ida da subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, à sede do MPF no Paraná em busca de dados da Operação Lava Jato.

A sindicância atende a pedido de integrantes da força-tarefa da Lava Jato, que acionaram a corregedoria após Lindôra, braço direito do procurador-geral da República, Augusto Aras, passar por Curitiba na semana passada. Eles acusam a PGR de tentar obter informações e dados da operação sem formalizar o que procuram e sem informar a existência de um procedimento interno. Segundo a PGR, a visita foi agendada há cerca de um mês.

A sindicância do MPF também vai atingir a força-tarefa, pois deve esclarecer a existência de equipamentos utilizados para gravação de telefonemas recebidos por integrantes da equipe paranaense.

A visita de Lindôra provocou uma crise interna que culminou na demissão de três procuradores do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. A viagem aconteceu após Aras despachar ofícios aos procuradores cobrando informações sigilosas da operação, como mídias obtidas em quebras de sigilo e relatórios financeiros.

Eleições. Entre os dados de interesse, Aras citou bases eleitorais de 2000 a 2017, período que engloba as últimas nove eleições, relatórios de inteligência financeira, informações sobre doleiros e quebras de sigilo de e-mails. O pedido abrange tudo que a Lava Jato reuniu sobre empresas, pessoas e partidos.

Aras afirmou que é função da PGR atuar na organização desse material e que decisões passadas da Justiça tornam o pedido legal. “A medida tem respaldo em decisão judicial que determina o compartilhamento de dados sigilosos com a PGR para utilização em processos”, informou o procurador-geral, em nota divulgada sexta-feira.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, afirmou que o compartilhamento de dados sigilosos é um risco. “O compartilhamento de dados que não estejam protegidos por sigilo, é importante porque acaba subsidiando a atuação do procurador-geral no STJ e no STF. Mas o acesso de informação em sigilo é o que gera uma situação de intranquilidade para os colegas da Lava Jato.” Para ele, é preciso “cautela” no compartilhamento desses dados.

O procurador diz que vê com preocupação a saída de procuradores da Lava Jato, pois isso pode atrapalhar investigações. Em janeiro, o subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, já tinha pediu demissão.

Procuradores ouvidos pela reportagem afirmam que o pedido da PGR é sem precedente e gera riscos para investigadores e para as apurações. Os pedidos de Aras nos ofícios não delimitam o uso específico nem trata sobre dados sigilosos ou não. Requer transferência de toda “base de dados” da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio.

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que foi o primeiro juiz da Lava Jato, em Curitiba, afirmou ver com “estranheza” a ação da PGR. “Aparentemente, pretende-se investigar a Operação Lava Jato em Curitiba. Não há nada para esconder nela, embora essa intenção cause estranheza.” 

PARA LEMBRAR

Procuradores se demitiram

O embate entre a Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa da Lava Jato teve início depois que a subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, realizou “diligência” na sede do Ministério Público Federal em Curitiba, semana passada. Para a forçatarefa, a “busca informal” causou “estranhamento”. Depois do episódio, três procuradores que integram o núcleo da Lava Jato na PGR pediram demissão por divergências com Lindôra e a gestão Augusto Aras.