O Estado de São Paulo, n.46277, 30/06/2020. Política, p.A10

 

PGR está certa ao pedir dados da Lava Jato em Curitiba?

Cecilia Mello

Gauthama Fornaciari

30/06/2020

 

 

CECILIA MELLO, DESEMBARGADORA APOSENTADA

PGR ESTÁ CERTA AO PEDIR DADOS DA LAVA JATO EM CURITIBA? 

SIM

Há um princípio que norteia atuação do Ministério Público : a unidade da instituição. Essa unidade é assegurada nos termos do artigo 127 parágrafo 1.º da Constituição Federal e se consubstancia na competência conferida ao MP de zelar pelos interesses sociais. Assim, o MPF tem o dever de combater os crimes inseridos em sua competência, como os que são objeto da Lava Jato. Paralelamente, e prevista no mesmo dispositivo constitucional, a independência funcional é contemplada como um princípio da instituição. O intercâmbio interno de informações converge para a unidade da própria instituição, e não afronta a independência funcional da atuação de cada um dos seus integrantes e pode até ser salutar ao viabilizar uma atuação coesa entre eles. Evidentemente que há um limite a ser traçado: o intercâmbio de informações não pode ser utilizado como mecanismo de ingerência na independência funcional. 

GAUTHAMA FORNACIARI , ADVOGADA CRIMINALISTA

PGR ESTÁ CERTA AO PEDIR DADOS DA LAVA JATO EM CURITIBA? 

NÃO

A subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, teria requisitado informações sobre inquéritos e ações, sem ofício e sem explicitar finalidade da requisição, ou seja, de forma ilegal. Tal fato, em tese, configura violação ao princípio da independência funcional do Ministério Público (previsto no artigo 129, parágrafo 1.º, da Constituição Federal e no artigo 22 da Lei Complementar 75/1993 – o estatuto do MP), tendo em vista que promotores de 1.ª instância não são subordinados à Procuradoria-Geral da República.

Verifica-se possível improbidade administrativa por violação ao princípio da legalidade e hipótese de crime de abuso de autoridade. Eventual interferência ilegal da PGR em investigações de competência do órgão de 1.ª instância pode constituir ofensa ao princípio do promotor natural – o de que ninguém pode ser processado senão pela autoridade competente, o que pode causar nulidade dessa ação.