O Estado de São Paulo, n.46277, 30/06/2020. Metrópole, p.A14

 

Dacotelli ganha sobrevida no MEC, mas Bolsonaro não garante nomeação

Eliane Cantanhêde

Renata Cafardo

Jussara Soares

30/06/2020

 

 

Posse foi adiada após questionamentos sobre currículo do professor, que perdeu apoio do grupo militar responsável por sua indicação e da FGV, onde cursou mestrado; presidente destaca ‘honradez’ de escolhido para ministério, mas não deixa claro se vai mantê-lo no cargo

Posicionamento. Decotelli deixou de afirmar que fez pós-doutorado na Alemanha e alegou ‘distração’ em mestrado

Após um dia intenso ontem, o presidente Jair Bolsonaro decidiu dar sobrevida a Carlos Alberto Decotelli no Ministério da Educação (MEC), apesar dos sucessivos questionamentos ao seu currículo e da posse, prevista para hoje, ter sido adiada. Pelas redes sociais, Bolsonaro não deixou claro se dará ou não posse a Decotelli e disse só ter recebido mensagens de “trabalho e honradez” sobre o indicado. Ao mesmo tempo, importantes assessores do governo continuam sondando nomes para substituir o economista.

Decotelli perdeu apoio do grupo militar que o havia indicado e de professores da Fundação Getulio Vargas (FGV). Todos se disseram surpreendidos com as incoerências em sua vida acadêmica, já que doutorado e pós-doutorado foram questionados pelas instituições estrangeiras e há acusação de plágio no mestrado na FGV .

Mesmo constrangidos, militares ainda continuam a indicar outros nomes para Bolsonaro. Assim como a ala ligada a Olavo de Carvalho. O ambiente no Planalto, segundo fontes, é de muita pressão e profusão de nomes para o MEC. O governo também não gostou de saber que Decotelli não é professor contratado da FGV – ele deu aulas como pessoa jurídica em alguns cursos – e teme aparecerem mais problemas.

Nas redes sociais, o presidente disse que “o professor vem enfrentando toda a forma deslegitimação para o ministério” por “inadequações curriculares”. Bolsonaro disse ainda que Decotelli “não pretende ser um problema” para a pasta, “bem como, está ciente de seu equívoco”. Segundo a publicação, “todos aqueles que conviveram com ele comprovam sua capacidade para construir uma educação inclusiva e de oportunidade para todos”. Mesmo assim, não citou a posse do novo ministro.

A mensagem veio após conversa do presidente com Decotelli no fim da tarde de ontem. Ele ouviu as versões do indicado e concluiu que ele tem “lastro acadêmico” e “reconhecimento como gestor”, após 42 anos de vida pública. “Sou ministro, tenho trabalhos agora e vou ficar até de noite para corrigir os ajustes no Enem, Sisu”, disse Decotelli, ao deixar o encontro em Brasília.

Entre os nomes sugeridos, estão alguns dos que Bolsonaro já recebeu na semana passada, como Marcus Vinícius Rodrigues, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) na gestão Ricardo Vélez. Ele é engenheiro e ligado ao mesmo grupo militar de Decotelli. Rodrigues deixou o Inep, órgão do MEC, após desentendimento com o grupo ligado a Olavo de Carvalho.

Ontem também o Planalto passou a analisar o currículo do reitor do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia, que chefiou a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) até 2019. Outro que esteve com Bolsonaro foi o ex-pró-reitor da FGV Antonio Freitas, também indicado pelo grupo militar. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, foi entrevistado pelo presidente e depois avisado de que não tinha sido escolhido.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro teria sugerido Sérgio Sant'ana, ex-assessor especial do ex-ministro Abraham Weintraub e ligado a olavistas do governo. Ilona Becskeházy, atual secretária de Educação Básica do MEC, foi elogiada por jornal ligado a Olavo de Carvalho, que disse que ela “pode salvar a educação brasileira”.

Desde o fim de semana, quando a formação acadêmica de Decotelli passou a ser alvo de contestação, auxiliares do presidente argumentam que os questionamentos inviabilizam totalmente o ex-professor no cargo, no momento em que o governo tenta recuperar confiança. Outro grupo ponderou que outra mudança no MEC pode ser pior e alega que outros ministros já tiveram o currículo contestado, mas seguiram no cargo após a explicação. O nome de Decotelli foi publicado no Diário Oficial após o anúncio por Bolsonaro.

Polêmica. Nos últimos dias, Decotelli teve informações de seu currículo questionadas. Ao anunciá-lo, Bolsonaro mencionou a formação do professor. No dia seguinte, o título de doutor foi questionado por Franco Bartolacci, reitor da Universidade Nacional de Rosário (Argentina). O ministro inicialmente negou e mostrou certificado de conclusão de disciplinas à reportagem. “É verdade. Pergunte lá para o reitor.” No fim do dia, atualizou o currículo e passou a declarar que teve “créditos concluídos” no doutorado, em 2009. No campo relacionado ao orientador, o ministro assinalou: “Sem defesa de tese”.

No sábado, a dissertação de mestrado do ministro, de 2008, também foi colocada sob suspeita após o economista Thomas Conti apontar, no Twitter, possíveis indícios de cópia. Ele citou trechos idênticos a um relatório do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A FGV informou que vai investigar a suspeita.

“Tem um simbolismo muito grande ele ter sido desmentido por duas universidades estrangeiras e ainda tem problemas no mestrado”, diz o deputado federal, da Frente Parlamentar Mista de Educação, Israel Batista (PV-DF). Segundo ele, vários deputados da Frente consideraram esperar a situação do ministro para convidá-lo para conversa na Câmara. Já na comissão de Educação da Câmara, a participação do ministro continua marcada para quinta-feira.

CRONOLOGIA

As idas e vindas na Educação

25 de fevereiro de 2019

Hino Nacional

O MEC, sob comando de Ricardo Vélez Rodríguez, manda às escolas e-mail, pedindo que crianças sejam perfiladas para cantar o “Hino Nacional” e o momento seja gravado e enviado ao governo.

3 de abril de 2019

Revisão de obras

O então ministro Vélez Rodríguez diz que haveria mudanças em livros didáticos para revisar a maneira como são retratados nas escolas o golpe de 1964 e o regime militar. Cinco dias depois dessa declaração, Vélez é demitido.

30 de abril de 2019

‘Balbúrdia’ nas federais

O então ministro Abraham Weintraub diz que “universidades que, em vez de procurar melhorar desempenho acadêmico, fizerem balbúrdia, terão verbas reduzidas”.

26 de novembro de 2019

Paralisia

Radiografia realizada no MEC por comissão da Câmara indica paralisia no planejamento e na execução de políticas públicas por parte da pasta comandada por Weintraub.

20 de janeiro de 2020

Falhas no Enem

Depois de anunciar que havia feito “o melhor Enem da história”, o MEC tem de lidar com falhas em notas de estudante e atraso no Sisu.

18 de junho de 2020

Briga com o STF

Após insultos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, Weintraub deixa o MEC.

25 de junho de 2020

Indicação e críticas

O presidente Jair Bolsonaro anuncia a nomeação de Carlos Alberto Decotelli, ex-chefe do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, órgão do MEC. Dias depois, surgem questionamentos sobre o currículo do professor e denúncias de plágio. Posse de Decotelli é adiada.