O globo, n. 31791, 21/08/2020. Opinião, p. 2
Susto no Senado reflete limites do governo Bolsonaro
21/08/2020
O veto do presidente ser derrubado por senadores e deputados é parte do jogo democrático. O governo Bolsonaro, contudo, não tem como se esquivar da responsabilidade por derrotas acumuladas nos embates com o Congresso. Bolsonaro é recordista em Medidas Provisórias rejeitadas ou caducas no primeiro ano de governo — até hoje, das com tramitação encerrada, 55% não foram aprovadas. Nos últimos 20 anos, foi o presidente com mais decretos e MPs questionados no STF. A última derrota ocorreu quarta-feira, quando 42 senadores tentaram derrubar seu veto a reajustes salariais ao funcionalismo até o final de 2021. Graças à costura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, evitou-se o pior. Mesmo assim, o Brasil ficou perto de ter de amargar uma conta de R$ 130 bilhões, numa crise fiscal dramática.
Reajustes para os servidores são inconcebíveis não só pelas restrições fiscais por que passa o Estado, mas também por uma questão de justiça. Enquanto funcionários da iniciativa privada receberam em junho 21% a menos do que ganhavam antes da pandemia, a remuneração do funcionalismo caiu apenas 3%. Dois terços dos funcionários federais estão entre os 10% mais ricos. A frase do ministro Paulo Guedes pode ter repercutido mal em Brasília, mas ele tem razão: é mesmo “um crime contra o país” converter dinheiro para a saúde em salário para o funcionalismo.
O Senado, em particular, se tornou foco do populismo legislativo. Engavetou três propostas de emenda à Constituição destinadas a conter gastos públicos — entre elas, a PEC emergencial, que permitiria reduzir salários e jornadas do funcionalismo.
O governo se aproximou do Centrão na tentativa de reduzir o dano da falta de conexões no Congresso. O caminho do fisiologismo, no entanto, tornou o Planalto refém dos humores paroquiais do Parlamento. A dificuldade para manter o veto ensina que o “toma lá dá cá” não resolve tudo. A articulação política em torno de uma base estável é fundamental, justamente para garantir a aprovação de medidas que afetam interesses corporativos, como a reforma administrativa.