O globo, n. 31791, 21/08/2020. Economia, p. 27

 

Novo líder do governo passa pelo primeiro teste

Natália Portinari

Naira Trindade

Bruno Góes

21/08/2020

 

 

De telefonemas a militância virtual, Planalto mostrou empenho inédito para reverter a derrota sofrida no Senado. Manutenção do veto que congelou salários de servidores também contou com a articulação de Rodrigo Maia

A articulação para manter o veto presidencial que congelou salários de servidores, ontem, contou com empenho inédito do governo e serviu como o primeiro teste de Ricardo Barros (PPPR), novo líder do governo na Câmara dos Deputados. 

Com dezenas de telefonemas, militância virtual, reuniões e pedidos para que deputados estivessem presentes na votação, o Executivo conseguiu sua primeira vitória expressiva neste ano.

Após a derrota no Senado com a derrubada do veto, integrantes do Palácio do Planalto e da equipe econômica entraram em contato com deputados e estavam prontos para tentar adiar a votação, caso não houvesse acordo para manter o veto.

Na sessão, porém, a nova base deu a primeira demonstração de força política ao Palácio do Planalto, mantendo o veto por 316 votos a 165.

Depois da derrota no Senado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, classificou como “um crime contra o país” a decisão de derrubar o veto do presidente, o que abriu uma crise entre os senadores. Já está pronto um requerimento do líder do PP, senador Esperidião Amin (SC), convidando o ministro a dar explicações sobre sua frase.

PROMESSA A GUEDES

Para o bloco do centrão governista — comandado por Arthur Lira (PP-AL) — o apoio ao governo era uma retribuição esperada.

Mas o Executivo deu a maior demonstração de maturidade política ao pedir a ajuda de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. O bloco do centro independente, capitaneado informalmente por Maia, reúne um terço dos votos da Casa.

Para conquistar votos, Maia articulou pessoalmente pela manutenção do veto. Manteve, com isso, a promessa que fez a Guedes, de que iria ajudar a conter os gastos públicos. 

Somou-se a isso a militância virtual, com o auxílio de Carlos Bolsonaro e outros expoentes bolsonaristas, a favor do veto.

—O governo colocou o gabinete do ódio atrás de mim para dizer que eu sou o homem que quer quebrar o Brasil — queixou-se o senador Major Olímpio (PSLSP), que comemorou a derrubada do veto no Senado.

O governo também endureceu o discurso ao ameaçar punir os senadores “traidores”, que votaram pela derrubada do veto. Integrantes do Planalto cogitaram tirar Izalci Lucas (PSDB-DF) da vice-liderança do governo no Senado. Estava previsto também revides em indicações de cargos e liberação de emendas aos senadores Jorginho Mello (PL-SC), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Daniela Ribeiro (PP-PB). No fim do dia, contudo, o governo voltou atrás e decidiu não mais retaliar os parlamentares, e Izalci Lucas continuará no posto. 

Segundo líderes ouvidos pelo GLOBO, o centrão estava devendo uma resposta às concessões já feitas pelo governo. Para criar as condições de governabilidade, Bolsonaro liberou indicações de partidos a cargos da administração, direcionou verba extraorçamentária aos novos aliados e moderou o discurso contrário à política. 

Mesmo com essa aproximação, no mês passado, Arthur Lira teve uma derrota acachapante ao tentar travar a votação do projeto que direcionava mais recursos para a Educação. Na ocasião, Maia se impôs ao articular a ampliação do Fundo de Educação Básica (Fundeb).

ALINHAMENTO COM MAIA

Hoje, as tratativas foram diferentes. Maia foi ao gabinete de Ricardo Barros para fazer valer sua bandeira de controle de gastos. A cena seria inimaginável caso o líder ainda fosse Major Vitor Hugo (PSL-GO), fiel aliado de Bolsonaro. Maia e Vitor Hugo nunca se deram bem.

Ao reformar a liderança e concedê-la a Ricardo Barros, Bolsonaro abriu portas para a negociação com Maia. Antes, a intenção do Planalto era enfraquecê-lo e tirá-lo do páreo para as negociações de sua sucessão.

O alinhamento da articulação política de Bolsonaro com os interesses de Maia e Guedes também é uma novidade. Quando a proposta de socorro aos estados passou pela Câmara, em maio, partiu de Vitor Hugo a emenda para que policiais, profissionais de saúde e de assistência social não tivessem seus salários congelados.