O globo, n. 31790, 20/08/2020. País, p. 8
País tem mais de 11 mil gestores “ficha-suja”
Suzana Correa
20/08/2020
Prefeitos, vereadores, servidores e funcionários de empresas que constam de listas elaboradas pelos Tribunais de Contas dos estados e que serão enviadas à Justiça Eleitoral ficarão impedidos de concorrer em novembro
Mais de 11 mil gestores públicos condenados por atos administrativos em segunda instância devem ser enquadrados na Lei da Ficha Limpa, o que os impedirá de concorrer nas eleições deste ano. O levantamento parcial, feito pela Associação de Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), leva em conta dados de 15 estados que já se anteciparam ao prazo de 25 de setembro, quando todos os tribunais deverão encaminhar seus relatórios à Justiça Eleitoral.
São prefeitos, vereadores, servidores e funcionários de empresas com parcerias públicas, cujos processos já transitaram em julgado nos últimos oito anos, ou seja, não cabem mais recursos na esfera administrativa. As principais irregularidades cometidas pelos gestores “ficha-suja” estão não ter atingido o percentual mínimo de gastos com Saúde e Educação, realização indevida do recolhimento de contribuições previdenciárias ou de licitações e atos de improbidade administrativa que culminaram em prejuízos ao contribuinte.
— Não gosto muito de usar o termo ficha-suja porque compete à Justiça Eleitoral determinar quem pode ou não se eleger. Mas é uma lista que de início chama atenção pelo grande número de gestores que tiveram contas irregulares ou rejeitadas — diz Fabio Nogueira, conselheiro do TCE da Paraíba e presidente da Atricon.
Até agora, a lista é liderada por gestores do Ceará (2.900 nomes), Minas (1.489), Paraná (1.310) e Pará (1.200), seguidos por Santa Catarina (1.024), Piauí (764) e Tocantins (653). A Paraíba tem 430 gestores condenados e Goiás e Alagoas aparecem no final com apenas 21 e 12. As listas oficiais dos estados de São Paulo e Rio ainda não foram disponibilizadas.
ALTA NO PARANÁ
As listas são feitas para atender a leis como da Ficha Limpa, criada em 2010, e da Inelegibilidade, de 1990, que tornam inelegíveis condenados por decisão de órgão colegiado e que tiraram da disputa de 2018 nomes como o ex-presidente Lula.
Além dos tribunais estaduais, o TCU também abastece a justiça eleitoral com os nomes de gestores com contas julgadas irregulares. Depois, é o TSE quem decide quais candidatos da lista podem ou não se registrar para a eleição. O Ministério Público ainda pode pedir a impugnação da candidatura com base na lista do TCE.
No Paraná, a atual lista já mostra aumento de 21% no número dos chamados ficha-suja, se comparada com a enviada antes das eleições de 2018. O coordenador do Tribunal de Contas do estado, Rafael Ayres, acredita que o aumento reflete o maior esforço de fiscalização do órgão e a conclusão de julgamentos longos, como o que apurava esquema de mais de R$ 2,6 bilhões em repasses de 40 municípios para Organizações Civis de Interesse Público (OCIPs).
É o caso do Instituto Confiancce, investigado sob suspeita de superfaturar licitações na saúde. A então presidente da entidade, Cláudia Aparecida Gali, é a quarta no ranking de agentes com sentenças desfavoráveis no TCE, com 28 registros. Nos três primeiros lugares estão um vereador e dois servidores da Câmara Municipal de Curitiba condenados pela atuação em esquema de repasse de verbas para agências de publicidade fantasmas que atuavam na Câmara. Juntos, acumularam 119 processos do TCE-PR que atestaram irregularidades no período e foram condenados a devolver R$ 14,8 milhões aos cofres públicos.
Com 12 condenações pelo TCE-PR, o ex-prefeito de Paranaguá (PR) entre 2005 e 2012, José Baka Filho (PDT) é um dos gestores com mais irregularidades apontadas pelo tribunal em número de processos perdidos. Ele já anunciou sua précandidatura para prefeitura do município em 2020. No mesmo estado, o ex-prefeito de Pato Branco Roberto Viganó (PDT) tem 10 processos perdidos no TCE e também tentará neste ano a reeleição para a prefeitura da cidade. O GLOBO procurou os dois ex-prefeitos, mas não conseguiu contato.
LISTA ONLINE
O TCE do Rio Grande do Sul foi o primeiro a implantar uma lista virtual que mostra os nomes e processos assim que finalizados, inclusive dos inocentados:
— Quando há irregularidades mais graves, nem sempre são fruto de corrupção, mas também desperdício grande de recursos, fruto da incompetência ou má gestão. Com mais transparência, o administrador torna-se mais zeloso na gestão —defende o ex-presidente e hoje conselheiro do Tribunal do Rio Grande do Sul, Cezar Miola.
Com o adiamento das eleições, políticos que completariam em outubro os oito anos de inelegibilidade previstos pela lei podem continuar sendo considerados “ficha-suja” até novembro. A questão tem sido alvo de discordância entre as áreas técnicas do TSE e o Ministério Público Eleitoral. Para o MP, o adiamento não pode beneficiar os condenados.