O globo, n. 31790, 20/08/2020. Rio, p. 12

 

Explicações

Lucas Altino

20/08/2020

 

 

Presidente do partido de Witzel vai depor sobre contratações da Saúde

Presidente nacional do PSC, partido do governador Wilson Witzel, Pastor Everaldo foi convocado ontem para prestar depoimento à comissão da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) que apura fraudes em contratos emergenciais da Secretaria de Saúde para o combate ao coronavírus. Além dele, foi chamado o empresário Edson Torres, apontado como seu operador financeiro. Deputados querem investigar um suposto controle de Everaldo sobre a secretaria, hipótese levantada por Edmar Santos, ex-titular da pasta, em delação premiada homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Parlamentares suspeitam que nem mesmo a prisão de Edmar, em 10 de julho, freou influências políticas na atuação de organizações sociais (OSs) contratadas pela Saúde.

A suspeita de envolvimento de Everaldo no fechamento de contratos da Secretaria de Saúde é frequentemente discutida por deputados da Comissão de Saúde e de Fiscalização de Ações de Combate ao Covid-19 da Alerj. Seu filho Felipe Pereira, assessor especial do governo, já participou de reuniões sobre decisões da pasta no Palácio Guanabara. A ideia de convocar o presidente nacional do PSC e o empresário Edson Torres partiu do relator, Renan Ferreirinha (PSB). Ainda não há datas para os depoimentos.

— Há vários indícios de que Pastor Everaldo exerce forte influência no governo, em especial na Secretaria de Saúde. Ele é presidente nacional do partido do governador e patrão da primeira-dama do estado (Helena Witzel é advogada do PSC). Em relação a Edson Torres, vale destacar que tivemos uma informação contundente, na delação de Edmar Santos, de que ele é operador financeiro do pastor. Precisamos ouvir o máximo de atores envolvidos nessa história —disse Ferreirinha. Em nota, Everaldo afirmou estar “à disposição da Comissão de Saúde da Alerj e das demais autoridades e reitera sua confiança na Justiça”.

PRISÃO E NOMEAÇÃO

Um dos focos da Comissão de Saúde e de Fiscalização de Ações de Combate ao Covid-19 da Alerj é a organização social Unir. Investigada pelo Ministério Público Federal, ela estava, em 2019, proibida de trabalhar para o estado devido a uma série de serviços não prestados, mas acabou sendo requalificada por Witzel em março deste ano, no início da pandemia, e fechou novos contratos, contrariando dois pareceres do próprio governo (que identificaram 52 irregularidades). E, no mesmo dia em que Edmar foi preso, José Carlos Rodrigues Paes, ex-integrante do conselho administrativo da Unir, foi nomeado superintendente da Secretaria de Saúde.

A Unir, de acordo com investigações, tem como sócio oculto o empresário Mário Peixoto, acusado de chefiar um esquema de superfaturamento de contratos dentro do governo. Paes é casado com a advogada Ana Cristina Costa, que apresentou um recurso administrativo contra a desqualificação da OS, em outubro do ano passado. Ontem, a Secretaria de Saúde informou que ele pediu exoneração na véspera da audiência na Alerj e alegou que não tinha conhecimento de sua antiga atuação no conselho da Unir. “Ele não exercia nenhuma atividade relativa às organizações sociais”, afirmou o órgão em uma nota. Paes trabalhava para o estado mesmo sendo servidor do Ministério da Saúde cedido à prefeitura de Teresópolis.

Ontem, dois ex-funcionários da Unir— Ana Cristina Costa e seu irmão, o exdiretor financeiro Luiz Cláudio Costa — prestaram depoimentos à comissão da Alerj. Ela afirmou não ver qualquer problema nos trabalhos do marido, pois José Carlos Rodrigues Paes teria aceitado um cargo na OS em caráter temporário e deixou a Unir antes de entrar para o o governo do estado.

Ao autorizar a Unir a fechar novos contratos com o estado, Witzel considerou que a desqualificação era uma medida desproporcional, que poderia impactar o funcionamento das unidades de saúde mantidas pela OS. Depois que vieram à tona os casos de superfaturamento na Saúde, o governador decidiu suspender, em maio, os contratos da organização social.

Desde 2012, a Unir recebeu cerca de R$ 180 milhões dos cofres públicos, sendo R$ 23,9 milhões pagos entre outubro de 2019 e março deste ano, enquanto esteve desqualificada. Parte do montante se encontrava sob a rubrica “restos a pagar”, mas a conta da OS chamou a atenção de deputados não só pelo alto valor, mas pelo fato de outras organizações sociais, inclusive com contratos vigentes, ainda estarem cobrando atrasados. Até o ano passado, a Unir administrava nove Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do estado. Para a comissão investigadora da Alerj, a decisão de Witzel de requalificá-la é difícil de entender.

— Estou impressionada com o nível de benevolência do governo. O recurso (apresentado por Ana Cristina) pedia somente o retorno do processo de desqualificação para a fase inicial, para o cumprimento do direito de ampla defesa. Mas a decisão do estado foi pagar R$ 23,9 milhões (no período em que a

Unir estava desqualificada )e dar a requalificação que a advogada sequer pedia — afirmou a deputada Martha Rocha (PDT), presidente da comissão.

Em seu depoimento, o exdiretor financeiro da Unir negou conhecer o empresário Mário Peixoto. Conforme destacou o deputado Renan Ferreirinha (PSB), Luiz Cláudio Costa foi, antes de ingressar na organização social, funcionário do Instituto Data Rio (IDR), empresa que, segundo o Ministério Público Federal, também seria de Peixoto.

Ex-presidente do IDR, Luiz Roberto Martins é outro preso por suspeita de envolvimento em esquemas fraudulentos na Saúde. Questionado sobre ele, Costa disse que o conhecia “apenas profissionalmente”. O ex-diretor financeiro da Unir não soube responder por que a organização social recebeu R$ 23,9 milhões em restos a pagar durante o primeiro período em que esteve desqualificada.

“Há vários indícios de que Pastor Everaldo exerce forte influência no governo, em especial na Secretaria de Saúde. Ele é presidente nacional do partido do governador e patrão da primeiradama do estado”

ESQUECIMENTO

Na audiência, os deputados da comissão da Alerj decidiram convocar Pastor Everaldo, Edson Torres, José Carlos Rodrigues Paes e também um homem identificado, até ontem, apenas como Marcos Augusto. Ele seria, nas palavras de Luiz Cláudio Costa, o verdadeiro “dono” da Unir. Mas, para surpresa dos parlamentares, o ex-diretor financeiro da OS afirmou não se lembrar do sobrenome do antigo chefe.

— Sou ruim de guardar nomes. Acho que é Marcos Augusto da Silva— disse Luiz Cláudio.

Logo em seguida, a deputada Martha Rocha descreveu a situação como “inacreditável”:

— Aprendi na vida que o acaso não acontece. Acho tão curioso você não se lembrar do nome completo da pessoa que seria o chefe da empresa. É algo inadmissível.

No mês passado, Marcus Velhote, ex-diretor executivo da Unir, prestou depoimento à mesma comissão e apontou Luiz Cláudio como “mandachuva” da organização social. O ex-diretor financeiro negou essa informação.