O globo, n. 31793, 23/08/2020. Economia, p. 29

 

Nas mãos do congresso

Manoel Ventura

23/08/2020

 

 

 Recorte capturado

Governo prepara megapacote, mas maior parte das ações depende do Legislativo

 O governo do presidente Jair Bolsonaro lança no Palácio do Planalto na terça-feira um megapacote de medidas nas áreas social e econômica, para reativar a economia, pavimentar o caminho para as eleições de 2022 e construir uma marca própria da atual gestão. As principais ações, porém, dependem do Congresso Nacional, o que vai exigir forte interlocução do governo com os parlamentares.

O evento vem sendo chamado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de “Big bang day” do governo, que irá lançar num só dia o chamado Renda Brasil (que substitui o Bolsa Família), medidas para gerar empregos, novos marcos legais e ações para cortar gastos. As reformas serão enviadas ao Senado — sendo que a praxe para uma nova proposta é começar pela Câmara.

A relação com o Senado se desgastou semana passada, após senadores derrubarem veto de Bolsonaro a reajustes para servidores. O governo reverteu o quadro na Câmara.

Parlamentares aliados ao governo admitem que algumas medidas terão tramitação mais delicada, o que explica o pacote ainda não estar completamente fechado. O dia de anúncios vai começar pela reformulação do Minha Casa Minha Vida, que será rebatizado de Casa Verde e Amarela. Ele deve ser proposto por medida provisória (MP), para acelerar o andamento. Todas as ações estarão sob o guardachuva do programa batizado pelo governo de Pró-Brasil.

Lançado pela Casa Civil, o programa rachou o governo quando foi citado na reunião ministerial de 22 de abril — que teve vídeo divulgado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Guedes via o pacote como um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marca do governo Dilma.

Para contornar o problema, Guedes assumiu o programa e o transformou em um guardachuva para todas as ações do governo. Uma delas é o programa Renda Brasil, que vai aumentar o total de beneficiários de 14 milhões de famílias para mais de 20 milhões. Além de aumentar o valor pago.

Para sustentar despesa anual superior a R$ 50 bilhões (o Bolsa Família custa R$ 30 bilhões por ano), o governo irá extinguir o abono salarial, o salário-família e o seguro defeso (pago a pescadores durante o período de pesca proibida). Integrantes da ala política do governo admitem que não será fácil aprovar o corte de despesas, previsto na proposta. Mas avaliam que a ampliação do programa social contorne as resistências.

O governo vai anunciar a desoneração da folha de pagamentos das empresas para a faixa salarial de até um salário mínimo (hoje em R$ 1.045). Essa medida faz parte do que Guedes chama de “rampa de acesso” do Renda Brasil para o emprego formal, mas deve valer para todas as novas contratações. Fontes que participam das discussões dizem que está em estudo reduzir a contribuição patronal ao INSS, e também o FGTS e outras.

A equipe econômica quer lançar o novo imposto sobre transações, nos moldes da antiga CPMF, mas encontra resistências da área política para incluir a medida no pacote. O receio de ministros com assento no Palácio do Planalto é contaminar um dia que o governo vê como oportunidade de anunciar medidas consideradas positivas, embalado pelo resultado da criação de empregos formais em julho.

Guedes deve anunciar medidas na área das contas públicas, para viabilizar a execução de obras, demanda da ala pró-gasto do governo. Isso sem ferir o teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior.

Serão unidas três medidas de ajuste nas contas públicas, que compõem o Pacto Federativo, em uma única Proposta de Emenda à Constituição (PEC), com modificações para permitir ao governo acionar, já em 2021, mecanismos de contenção de despesas.

Estas medidas preveem a desvinculação de receitas que hoje só podem ser usadas para fins específicos, um freio na expansão das despesas obrigatórias e a extinção de fundos públicos. A expectativa é unir esses projetos ao Renda Brasil, de maneira a angariar apoio político ao corte de gastos.

Além disso, com os projetos já enviados ao Congresso, o governo poderia segurar o aumento das despesas obrigatórias quando elas atingirem 95% dos gastos totais da União. Dessa forma, seria possível viabilizar um volume mínimo de investimentos e abrir espaço no Orçamento para despesas como o Renda Brasil. Pelas propostas, ficariam proibidos reajustes, criação de cargos, ajustes em carreiras, contratações e concursos públicos.

 EIXOS ‘ORDEM’ E ‘PROGRESSO’

O governo avalia se irá apresentar a reforma administrativa, que visa a cortar despesas com o funcionalismo. Bolsonaro teria autorizado Guedes a avançar, desde que a proposta não mexa nos atuais servidores. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobra o envio do projeto. Ele começaria a tramitar pela Câmara, indo depois ao Senado.

No evento, serão mencionadas grandes privatizações, como Porto de Santos, Correios e PPSA (responsável por administrar a parte do governo nos contratos do pré-sal). Sua privatização funciona, na prática, como uma antecipação de receitas que o governo conseguiria com a venda do petróleo nos contratos de partilha.

O Palácio do Planalto dividiu o Pró-Brasil nas vertentes “Ordem” e “Progresso”. O eixo “Ordem” inclui marcos legais, decretos e portarias para destravar investimentos. Uma série de projetos já em tramitação no Congresso faz parte da lista, como o de construção de ferrovias e o de reforma do marco das concessões. Também fazem parte o novo marco para o setor de gás e a abertura da cabotagem (transporte marítimo pela costa).

Também foi incluído o caminho para o fim do regime de partilha, que rege o pré-sal. Esse projeto está em discussão no Senado, mas o governo só pretende fazer leilões após a aprovação da mudança. O tema está longe de ser consenso no Congresso.

O eixo “Progresso” abarcará concessões e obras públicas. A quantidade, o valor e o risco de furar o teto de gastos geraram uma guerra no governo. Para viabilizar obras, um projeto de lei deve liberar recursos, provavelmente de R$ 5 bilhões, para infraestrutura.