O Estado de São Paulo, n.46273, 26/06/2020. Economia, p.B3

 

Governo quer marca própria para o social

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

26/06/2020

 

 

Sem dinheiro novo para sua versão do Bolsa Família, Bolsonaro vai ‘canibalizar’ recursos de outros programas sociais para o Renda Brasil

Estratégia. Com o Renda Brasil, Guedes tenta se antecipar a propostas apresentadas pelo Congresso para área social

Preocupado em criar uma marca própria de apelo social e, ao mesmo tempo, suplantar programas de governos anteriores, o Palácio do Planalto trabalha para dobrar o orçamento atual do Bolsa Família – de R$ 32 bilhões – e, a partir daí, tirar do papel sua própria versão do programa de transferência de renda – o chamado “Renda Brasil”.

Não haverá, porém, a injeção de dinheiro novo: o governo vai buscar recursos que estão “carimbados” em outros programas. A equipe econômica já mapeou cerca de R$ 20 bilhões em benefícios que poderiam ser revisados para abrir espaço no orçamento do Renda Brasil, que sucederá o Bolsa Família. Essa lista inclui, por exemplo, R$ 17 bilhões do abono salarial (espécie de 14.º salário pago a trabalhadores formais que ganham até dois salários mínimos) e R$ 2 bilhões que podem ser obtidos com a reformulação do seguro-defeso, pago a pescadores artesanais no período em que a atividade é proibida (e que hoje custa ao todo R$ 4 bilhões).

O programa Farmácia Popular também deve ser revisto; ele concede benefícios na aquisição de medicamentos, independentemente da renda do beneficiário. O governo também está fazendo um “pente-fino” em gastos diversos e, segundo uma fonte, com “pequenas alterações” seria possível garantir em cada uma delas de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão em recursos.

Avaliação. Com essas mudanças, o Renda Brasil já teria pelo menos R$ 52 bilhões. Outros R$ 13 bilhões em gastos estão na mira dos técnicos, mas ainda sob avaliação de viabilidade política para sua alteração, e incluem benefícios pagos a servidores públicos. Entre os alvos, estão auxílios alimentação pagos em valores elevados.

Mesmo sem uma decisão política sobre esse último grupo de despesas, técnicos envolvidos na elaboração do Renda Brasil avaliam que a etapa inicial de R$ 20 bilhões já será suficiente para acabar com as dificuldades enfrentadas em situações de descontinuidade do Bolsa Família para beneficiários e garantir uma saída mais suave àquele que conseguir incrementar sua renda a partir do trabalho. Na prática, a ideia é construir “rampas” para que a redução da ajuda seja gradual.

Hoje, o beneficiário corre o risco de ser excluído do programa caso consiga um emprego com carteira assinada e sua renda ultrapasse meio salário mínimo por pessoa. Além disso, quem sobrevive com até R$ 89 por pessoa recebe uma parcela adicional – chamada de benefício para superação da extrema pobreza –, o que é imediatamente cortado caso a renda familiar per capita ultrapasse esse limite, mesmo que por centavos.

As “rampas” permitiriam que, a cada ganho de renda do trabalho, o beneficiário perdesse apenas uma parcela da ajuda que vinha recebendo, até o momento em que se torna “independente” da renda social.

‘Entendimento’

“O dobro do Bolsa Família não é tanto mais assim, a ponto de exceder o teto de gasto, mas seria preciso, nesse movimento, ter um mínimo de aperfeiçoamento de distribuição das transferências e um entendimento com o Congresso para incluir os gastos tributários, como deduções por dependente do IR, para esse fim.”

Leandro Ferreira

PRESIDENTE DA REDE BRASILEIRA DE RENDA BÁSICA

NA MIRA

Governo quer dobrar orçamento do Bolsa Família para turbinar nova política social

•  Orçamento do Bolsa Família

R$ 32 bilhões

•  O que pode revisar?

Abono salarial, R$ 17 bilhões (gasto em 2019); Seguro-defeso, R$ 2 bilhões (parte da despesa total, hoje em R$ 4 bilhões); Farmácia Popular; e pente-fino em outros gastos. No total, R$ 20 bilhões

•  Outras frentes

Estão na mira, outros gastos como benefícios a servidores públicos, entre eles o auxílio alimentação, que poderiam ser revistos e ajudar a levantar mais R$ 13 bilhões para o Renda Brasil