Correio braziliense, n. 20931, 13/09/2020. Política, p. 3

 

Uma oposição pulverizada

Augusto Fernandes 

Ingrid Soares 

13/09/2020

 

 

Ao passo que o presidente Jair Bolsonaro surfa em uma onda de popularidade e vê a aprovação do seu governo aumentar, principalmente entre as camadas mais pobres da sociedade, a oposição mais ferrenha ao chefe do Executivo tem ficado em segundo plano e se mostrado incapaz de reverter o bom momento do mandatário. Ao mesmo tempo, enquanto Bolsonaro pensa em uma estratégia para se reeleger em 2022 por saber que está fortalecido, a esquerda parece estar distante de um projeto para enfrentar o seu maior rival nas próximas eleições presidenciais, sobretudo pela falta de união das legendas.

Os próprios partidos de esquerda têm reconhecido o problema, tanto que, nas últimas semanas, deram os primeiros passos para tentar melhorar o embate com o presidente. Paralelo ao movimento, a oposição aposta que o governo Bolsonaro vai entrar em uma maré negativa por causa da redução do valor do auxílio emergencial para R$ 300 e por conta da alta nos preços dos alimentos.

A principal iniciativa partiu do PT, que rivaliza com o chefe do Executivo desde as eleições de 2018. Um dos maiores expoentes contra o bolsonarismo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera a mobilização. Tudo começou após o pronunciamento oficial de Bolsonaro no Dia da Independência. Para rebater a mensagem do presidente, Lula publicou um vídeo nas suas redes sociais. Ele criticou a postura de Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus, dizendo que o país está entregue a um governo “que não dá valor à vida e banaliza a morte”, “insensível, irresponsável e incompetente” e “que converteu o coronavírus em uma arma de destruição em massa”.

Na gravação, Lula disse estar “à disposição do povo brasileiro” para encarar o atual mandatário e deixou a mensagem de que “juntos vamos reconstruir o Brasil”. Essa frase será o lema do programa elaborado pelo PT para tentar unir a esquerda em torno de um plano de enfrentamento a Bolsonaro.

Segundo o partido, legendas como PDT, PSol, PSB e PCdoB também participarão do plano. “O PT envolverá os partidos, movimentos e frentes num grande debate na sociedade sobre os rumos do país e os caminhos do enfrentamento à crise, para apresentar ao povo brasileiro um programa de curto, médio e longo prazos, articulado com o objetivo de defesa da vida, do emprego, da economia popular e da soberania nacional pós-crise”, afirma a legenda.

Protagonismo

Por mais que o plano encha os olhos dos progressistas, um ponto que incomoda a esquerda é a tentativa de o Partido dos Trabalhadores estar sempre à frente de tudo. “A visão que o PT tem sempre foi hegemônica. Em todas as eleições nacionais, apresentou candidatos para a Presidência da República. Isso é legítimo, claro. Mas, entendo que não é legítimo você querer fazer uma aliança apenas em torno de si. Quem quer fazer uma aliança tem que partir do pressuposto de que qualquer um dos partidos aliados pode ter candidato”, pondera o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, acrescenta que, de modo geral, a oposição no Brasil está bastante pulverizada. “Não existe a esquerda, existem as esquerdas”, analisa. “Há um consenso que todos nós fazemos oposição às políticas essenciais do governo Bolsonaro, pois o ideário dele é diametralmente oposto ao de todos os partidos de esquerda. Agora, no âmbito eleitoral, não existe união, e não sei se existirá até 2022. Tenho minhas dúvidas”, completa.

Fragilidade

Para o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice, há uma clara divisão entre as legendas de esquerda. Ele afirma que “ainda não se vê disposição para unificação ou diálogo”, sobretudo por conta do “egoísmo” de alguns candidatos e da tentativa de partidos menos fortes, como o PCdoB e o PSol, de querer andar com as próprias pernas. “Depois que o Lula foi solto, não houve nenhum movimento de pacificação dentro da esquerda. O que se vê é, de um lado, o PDT liderado pelo Ciro Gomes, tentando se colocar como nova alternativa. Mas, para fazer isso, acaba batendo no Lula, que não conseguiu reunificar a esquerda e se apoia na gestão popular que já teve”, observa.

Outro problema da esquerda, segundo Noronha, é no enfrentamento a Bolsonaro. Na visão dele, a oposição erra em esperar que fatos isolados sejam fortes o suficiente para derrubar a popularidade do presidente, como inquéritos contra a família e amigos dele ou a política ambiental do governo. “A tentativa é de desgaste da imagem. A pauta ambiental, por exemplo, é importante, mas não decisiva. O que mais vai impactar é a economia e o avanço na área social. Se Bolsonaro colocar de pé o Renda Brasil, ele pode conquistar o eleitor por conta dos programas sociais e a esquerda vai perder a narrativa de que o presidente não se preocupa com os mais pobres”, diz.

Cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía acrescenta que a esquerda só tende a perder caso tente fechar os olhos para a realidade ou distorcer alguns fatos. Além disso, ele acredita que Bolsonaro já descobriu o “caminho do ouro” para se reeleger. “Na posição em que o presidente está, não precisa falar mal do PT. Basta falar das medidas que vem tomando. Ele não precisa criar polarização. Está sozinho no páreo e em campanha.”