Correio braziliense, n. 20931, 13/09/2020. Saúde, p. 14

 

Entrevista - José David Urbaez

13/09/2020

 

 

Proteção coletiva fará a diferença

O diretor-científico da Sociedade de Imunologia do Distrito Federal, José David Urbaez, afirma que, se as vacinas anticovid tiverem, em idosos, um índice de eficácia semelhante ao obtido pela da influenza, de 50%, uma campanha maciça de imunização trará danos significativos. Não apenas para o controle do vírus, mas com forte impacto sobre doenças associadas a processos infecciosos, como as coronarianas. A única preocupação do médico é que o movimento antivacina, que já ensaia, no Brasil, manifestações contra uma substância tão esperada em todo o mundo, consiga crescer, convencendo os mais velhos a não serem imunizados. “É a única coisa que atrapalharia o controle da pandemia”, diz.

A redução da imunidade pode atrapalhar no controle da pandemia?

Não, porque você está contando que,  no momento em que se insere a vacina como elemento de provocar a proteção coletiva — aqui não se pensa em indivíduo, mas coletivamente —, você vai colocar um contingente de pessoas nessa idade com proteção, significando que, em 50% delas, o vírus não vai conseguir entrar. Imagine o que representa a diminuição em termos de suscetibilidade em torno de 50% da população idosa. Nós vamos ter uma impossibilidade de circulação do vírus grande, é uma grande barreira, porque metade da população dessa faixa etária não permitirá que o vírus se instale. Então, quando a gente pensa em vacina, não pensa estritamente em um sentido individual. Individualmente, se tem uma chance menor de proteção. Mas do ponto de vista de manejo de uma pandemia, ou seja, de ferramentas de saúde pública, coletiva, vemos toda a sociedade e a comunidade como um elemento vivo, não se vê o indivíduo. Sem dúvida alguma, vai ser e continuará sendo a medida mais importante de todo o controle da pandemia, porque você vai diminuir muito significativamente a circulação do vírus. É sempre importante destacar que o patamar para aprovação de uma vacina como eficaz sempre é 50% ou mais. E, dessa maneira, você realmente tem um impacto muito grande na circulação viral.

A influenza é um exemplo disso?

Na influenza, isso é muito claro. Você teve com as campanhas massivas de vacinação dessa população uma diminuição intensa no número de mortes por influenza, diminuição intensa no número de internações por pneumonia e de hospitalizações de maneira geral.

Podemos falar em outros benefícios?

Quando se controla uma doença infecciosa, como a influenza e o coronavírus, indiretamente começa a ter efeitos em outros âmbitos. Então, tem a diminuição de doença cardiovascular, de doença cerebrovascular. Isso tem uma relação direta porque todos esses processos infecciosos vão desencadear processos inflamatórios que vão levar à descompensação dessas outras doenças crônicas.

Quando a vacina estiver disponível, quais serão os desafios para o controle pandêmico?

A única coisa que atrapalharia mesmo seria se as pessoas não fossem se vacinar. Temos de trabalhar o tempo inteiro com muito afinco na comunicação sobre a confiança nas vacinas e não permitir que esse discurso horroroso antivacina, para o qual novamente o presidente da República abriu a porta (Jair Bolsonaro defendeu que a vacina não seja obrigatória), se torne um problema no Brasil, como já é nos Estados Unidos e na Europa. (PO)