Título: Fernando Lyra, o ministro democrata
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: Correio Braziliense, 15/02/2013, Política, p. 4

O ex-deputado e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra morreu ontem, aos 74 anos, em São Paulo, no Instituto do Coração, onde estava internado desde 5 de janeiro, em decorrência de infecção urinária agravada por problemas cardíacos. Deputado destacado do “MDB autêntico”, grupo que fazia oposição mais radical à ditadura, Lyra, nascido no Recife, em 1938, acabou se convencendo de que o fim do regime só viria com uma transição pactuada. Batalhou pela emenda das Diretas Já, mas, depois de sua rejeição pela maioria governista no Congresso, alinhou-se aos moderados e se tornou um dos principais articuladores da candidatura de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral. Jogou em muitas posições, mas, em todas elas, contribuiu fortemente para a construção da democracia. Tinha, também forte relação com Brasília, onde morou por muitos anos e fez amigos, como o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

Lyra chegou à Câmara em 1970, ligando-se logo aos “autênticos”. Na outra ponta, estavam os “moderados”, liderados por Tancredo Neves, que pediu cautela com o regime para evitar “retrocessos”. Ulysses Guimarães reinava sobre os dois grupos, embora pendendo mais para os “autênticos”. Entre estes, Lyra era dos que mais trovejava na tribuna, e frequentemente criticava a moderação de Tancredo. Assim foi em 1977, quando o senador mineiro advertiu que, se o MDB votasse contra a reforma do Judiciário proposta pelo presidente Geisel, o tempo fecharia. Tancredo não foi ouvido, e a emenda acabou rejeitada. Geisel fechou e baixou o pacote de abril, que ampliou o mandato presidencial de cinco para seis anos e criou os senadores biônicos, eleitos indiretamente, permitindo ao regime o controle do Congresso. Naquela época, Lyra começou a dar razão a Tancredo.

A agenda da abertura de Geisel começou a ser executada. Em 1979, foi aprovada a Lei da Anistia. O general Golbery, chefe do gabinete civil e ideólogo do regime, havia forçado uma reforma partidária com o intuito de dividir as oposições. Outros partidos, como o PDT, o PTB e, depois, o PT, entraram no jogo. Em 1982, ocorreram as primeiras eleições diretas para governador depois do golpe de 1964. O PDS governista venceu em 12 estados, e o PMDB, no resto do país — com exceção do Rio, onde ganhou Leonel Brizola. Entre os peemedebistas, Tancredo venceu em Minas; Franco Montoro, em São Paulo; e Miguel Arraes, em Pernambuco, com o apoio de Lyra.

Dínamo de Tancredo Migrando de radical para moderado, começou a fazer viagens semanais a Belo Horizonte, onde tinha longas conversas com o governador sobre a transição. No ano seguinte, a emenda Dante de Oliveira, propondo eleições diretas para presidente, desencadeou um grande movimento de massas. Lyra integrou o comitê de parlamentares que organizava os comícios. Os moderados continuavam achando que a emenda não passaria, porque Ulysses seria um candidato imbatível. Já Tancredo seria assimilado pelos militares se ganhasse de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Derrotada a emenda, Lyra se jogou na empreitada. Viajou aos estados, aliciando deputados estaduais que integravam o Colégio Eleitoral. Conspirou, articulou, discursou, deu entrevistas, escreveu artigos. Era o dínamo de Tancredo no Congresso. Tancredo foi eleito, e Lyra indicado para o Ministério da Justiça. O mundo político sabia que ele se tornaria um ministro poderoso, que desfrutava da intimidade e da confiança do primeiro presidente civil.

Mas Tancredo foi operado na véspera da posse e morreu 39 dias depois, em 21 de abril de 1985. José Sarney assumiu e empossou todos os ministros escolhidos por Tancredo. Com o ministro da Justiça, a relação passou a ser conflituosa. Lyra chegou a dizer, num de seus chistes, que “Sarney é a vanguarda do atraso”. Ele era do tipo que perdia o amigo, mas não a piada.

“Entulho autoritário” No Ministério da Justiça, começou a fazer o que chamou de “remoção do entulho autoritário”. Liquidou com a censura, revogou as leis de exceção, implementou a lei da Anistia e, sem alarde, removeu de postos de comando os remanescentes da ditadura. A pretexto de disputar novo mandato, deixou o governo. Reeleito e desiludido com o PMDB, filiou-se ao PDT em 1987. No Congresso, participou ativamente da Constituinte. Na eleição de 1989, foi vice na chapa de Brizola, que apoiou Lula no segundo turno contra Fernando Collor.

A saúde começou a fraquejar e as eleições ficaram mais difíceis para ele. Ainda ficou na Câmara por mais duas legislaturas, mas em 1998, decidiu não concorrer. Trocou o PDT pelo PSB. No governo Lula, assumiu a presidência da Fundação Joaquim Nabuco e apoiou a eleição de Eduardo Campos ao governo de Pernambuco.

Aos amigos, confessou enorme saudade da vida parlamentar, mas reconhecia que o jogo havia mudado. Como disse ao deputado José Genoino (PT-SP), no último encontro que tiveram, “a política mudou muito, as alianças são muito amplas. Na ditadura, eram eles lá e nós cá”. Ainda hoje tramita no Congresso um projeto dele propondo medidas de defesa do Estado democrático de direito. A democracia foi sua paixão.

74 anos Idade de Fernando Lyra, morto ontem em decorrência de infecção agravada por problemas cardíacos