Título: Bento XVI anuncia vida em clausura
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 15/02/2013, Mundo, p. 14

No dia 28, assim que o expediente no Vaticano se encerrar, às 20h (16h em Brasília), o papa Bento XVI deixará seus aposentos, no Palácio Apostólico, e se isolará do mundo. Joseph Ratzinger ficará um tempo na residência de Castel Gandolfo, a 30km de Roma, antes de mudar-se para o convento de freiras de clausura Mater Eclesiae, dentro dos jardins da Santa Sé. Ali, permanecerá até o fim de seus dias. O pontífice alemão anunciou os planos durante cerimônia para padres da diocese de Roma, celebrada ontem na Sala de Audiências Paulo VI. E voltou a dar pistas sobre os motivos da renúncia. “Precisamos trabalhar para a realização do verdadeiro Concílio e para uma verdadeira renovação da Igreja”, defendeu o líder católico, num discurso de 45 minutos, em italiano, ao evocar a reforma do Concílio Vaticano II, realizado entre 11 de outubro de 1962 e 8 de dezembro de 1965.

“Embora eu agora esteja me recolhendo para orações, estarei sempre perto de todos vocês e tenho certeza de que vocês permanecerão próximo a mim, ainda que eu esteja escondido do mundo”, disse Bento XVI, ante clérigos emocionados. O pontífice acusou a mídia de ter deturpado as decisões dos 2 mil prelados reunidos em Roma, cinco décadas atrás. “O Concílio dos meios de comunicação, acessível a todos, criou tanta calamidade e miséria. O Concílio virtual é mais forte do que a realidade”, comentou, de acordo com o jornal Corriere della Sera.

O teólogo Fernando Altemeyer Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), admite que o pedido de renovação da Igreja mantém coerência com textos do próprio papa. “Em seu livro O novo povo de Deus (1968), Joseph Ratzinger afirma acreditar na renovação do Concílio Vaticano II como um paradigma de mudança”, explicou à reportagem, por e-mail. Em seu exílio no Mater Eclesiae, Bento XVI terá a presença de seu secretário pessoal, o arcebispo alemão Georg Gänswein (Leia o perfil). Vaticanistas consultados pelo Correio disseram não existir nenhuma lei do direito canônico que determine o destino de um papa renunciante.

Fé e fragilidade

“A decisão de Bento XVI de se retirar do convívio social é de cunho pessoal. Eu creio que isso reflita o amor pela oração, pelo estudo e pela escrita, além de ser um indicador da fragilidade da saúde e da necessidade de privacidade”, comentou o reverendo e monsenhor norte-americano Robert J. Wister, professor de história da Igreja pela Seton Hall University (em Nova Jersey). “Bento XVI terá à disposição vários aposentos, incluindo uma biblioteca. Serviçais cozinharão para o ex-papa e cuidarão da limpeza. Ratzinger poderá orar, descansar, meditar, ler e escrever”, disse Wister. As freiras abandonaram o prédio em novembro, dois anos antes do esperado — o que já sinalizaria a intenção de Ratzinger de renunciar ao trono de São Pedro. Além do jardim de rosas, o local abriga horta e pomar. Pimentões, tomates, abobrinhas e couves já abastecem as refeições do pontífice. Os quartos do convento Mater Eclesiae primam pela austeridade. São poucas as mobílias, e a decoração fica por conta de crucifixos e algumas pinturas que retratam a vida religiosa.

“Bento XVI terá um secretário e, talvez, dois assistentes, mas a burocracia da Cúria Romana permanecerá com o novo papa”, explicou o padre jesuíta Thomas J. Reese, autor de O Vaticano por dentro: A Política e a Organização da Igreja Católica. Ele acredita que, depois de 28 de fevereiro, provavelmente Bento XVI voltará a ser chamado de cardeal Joseph Ratzinger, apesar de ostentar o título de Bispo Emérito de Roma. “Não existe cláusula na lei da Igreja que estabeleça pensão a um papa aposentado. Isso precisará ser discutido”, afirmou Reese.

Professor de história do cristianismo pela Universidade da Virgínia, Gerald Fogarty prefere não usar o termo “confinamento” para descrever a nova rotina de Bento XVI. “Confinamento foi o que o papa Bonifácio VIII fez com o antecessor, Celestino V, que foi virtualmente aprisionado. Bento XVI apenas propôs assumir residência no convento de clausura. Foi um gesto voluntário”, admitiu. Segundo ele, Ratzinger terá os mesmos benefícios de qualquer bispo aposentado, o que inclui um salário pelos serviços prestados à frente da diocese de Roma.

“Precisamos trabalhar para a realização do verdadeiro Concílio e para uma verdadeira renovação da Igreja”

“Embora eu agora esteja me recolhendo para orações, estarei sempre perto de todos vocês e tenho certeza de que vocês permanecerão próximos a mim, ainda que eu esteja escondido do mundo” Papa Bento XVI

“O direito canônico permite a um papa renunciar, mas não nos revela o que fazer com ele após sua saída. Mais de 10 papas já abandonaram o cargo, ainda que o mais recente tenha sido Gregório XII, em 1415. Bento XVI ficará feliz em se sentar na sua biblioteca e em ler livros de teologia, além de rezar. Problemas surgiriam se ele escrevesse ou falase. Seria desastroso para a Igreja se as pessoas lessem nos jornais "O papa Bento XVI afirma isso, mas o novo Pontífice diz aquilo’.” Thomas J. Reese, padre jesuíta e autor de O Vaticano por dentro: A Política e a Organização da Igreja Católica

Pontífice feriu a cabeça no México O papa Bento XVI tomou a decisão de renunciar ao papado depois de se ferir na cabeça há um ano durante uma viagem ao México, revelou ontem o jornal italiano La Stampa. A notícia do acidente noturno não foi desmentida pelo porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, que descartou, no entanto, que o papa tenha decidido renunciar por esse motivo. Segundo o jornal, durante o último dia em que passou na cidade de León (México), em 25 de março de 2012, Bento XVI apareceu pela manhã com manchas de sangue na cabeça. “O papa contou que não havia caído, mas havia dado uma cabeçada contra a pia do banheiro algumas horas antes”, narraram seus colaboradores. “Levantou-se no meio da noite e, desorientado pelo sono e por estar em um ambiente desconhecido, não encontrou o interruptor da luz e caminhou na escuridão”, sustenta a mesma fonte. O jornal assegura que o acidente adquiriu relevância agora, depois que o jornal do Vaticano, o L’Osservatore Romano, revelou que o papa havia tomado a decisão de renunciar após a viagem.