Correio braziliense, n. 20933, 15/09/2020. Política, p. 3

 

ONU vê excesso de militares no governo

Ingrid Soares 

15/09/2020

 

 

A alta comissária da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou, ontem, o crescente envolvimento de representantes das Forças Armadas ou das polícias militares na gestão pública no Brasil, nos três níveis de governo. No primeiro dia do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ela salientou que essa tendência na América Latina pode ser vista também no México e em El Salvador.

O governo de Jair Bolsonaro tem, atualmente, oito ministros militares ou com formação militar. E de acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), aproximadamente 2,8 mil cargos comissionados do governo federal estão ocupados por militares ou policiais militares, tal como o Ministério da Saúde –– no qual o general Eduardo Pazuello será confirmado ministro, nos próximos dias, depois de meses de interinidade à frente da pasta. Nesse cálculo não entram as secretarias de segurança em estados, no Distrito Federal e em municípios ocupadas por militares e PMs.

Bachelet ainda denunciou os crescentes relatórios de aumento da violência no campo, ataques a jornalistas e defensores de direitos humanos, além da diminuição dos espaços para consulta da sociedade civil e de comunidades para tomada de decisões. Ela acrescentou que, na América Latina, um “número alarmante” de ativistas e repórteres continuam a ser “intimidados, atacados e mortos”, sobretudo aqueles envolvidos com temas como meio ambiente e direito à terra.

“No Brasil, estamos recebendo relatórios de violência rural e expulsão de comunidades sem-terra, assim como ataques a defensores de direitos humanos e jornalistas, com ao menos 10 mortes este ano. A continuada erosão de conselhos independentes de consultas e participação das comunidades é também preocupante. Apelo às autoridades para que tomem medidas firmes que garantam decisões fundamentadas nas contribuições e necessidades do povo brasileiro”, exortou.

Para rebatê-la, a representante brasileira no Conselho, a embaixadora Maria Nazareth Farani de Azevêdo, salientou as ações econômicas do governo federal contra a covid-19, observando que tem garantido o acesso à saúde para 211 milhões de pessoas e que os pacotes emergenciais relacionados à pandemia já consumiram US$ 106 bilhões de recursos da União. Ela também destacou que o número de casos do novo coronavírus vem caindo no país, apesar das mais de 130 mil mortes por conta do vírus — no último domingo, o país se tornou a nação do G-20 com o maior coeficiente de mortalidade pelo novo coronavírus, com 613,46 mortes por milhão de habitantes, de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Discurso na ONU

A ONU abre, hoje, a 75ª Assembleia Geral entre chefes de Estado e de governo, e a tendência é de um ambiente hostil para Jair Bolsonaro. A previsão é de que o presidente discurse na abertura da sessão, dia 22, uma semana após a solenidade de abertura do evento. Por conta da pandemia, ele e outros líderes participarão do evento por videoconferência.

Bolsonaro deve enfatizar que o governo federal criou uma grande camada de proteção social com o auxílio emergencial, que, na visão do Palácio do Planalto, impediu a economia brasileira de ser ainda mais fragilizada por conta do surto do novo coronavírus. Outro trecho do discurso do presidente focará na resposta às críticas que o governo tem sofrido por conta dos índices de queimadas na Amazônia e no Pantanal.

 

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Coronel presidirá a fundação das artes 

Sarah Teófilo 

15/09/2020

 

 

 

O governo federal exonerou, ontem, o presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Luciano da Silva Barbosa Querido, e nomeou em seu lugar o coronel do Exército Lamartine Barbosa Holanda. Será mais um posto ocupado por um militar no governo Bolsonaro.

Querido já foi assessor do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente. Ele foi nomeado para a Funarte em junho, mas já estava na posição interinamente desde maio deste ano, depois de Mário Frias substituir Regina Duarte na Secretaria da Cultura, em julho. O Ministério Público Federal (MPF) tentou, inclusive, suspender a nomeação de Querido.

A experiência de Holanda no universo das artes se restringe à área do audiovisual do Exército. Entre seus trabalhos consta que foi diretor e roteirista de vídeo institucional da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel). Ele também já foi editor de conteúdo e diretor na Câmara do Comércio do Mercosul e Américas, entre 2009 e 2012.

A Funarte, criada em 1975, é hoje vinculada ao Ministério do Turismo. O primeiro presidente da Funarte, durante a ditadura militar, foi José Cândido de Carvalho, escritor, jornalista e imortal da Academia Brasileira de Letras, entre 1976 e 1981 — autor do clássico O Coronel e o Lobisomem.

O Correio questionou o Ministério do Turismo sobre o motivo da troca na pasta da Cultura, além de requisitar o currículo do coronel, que foi analisado, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta. Lamartine será o quarto presidente da fundação no atual governo — antes dele e de Querido, passaram pela Funarte o maestro Dante Mantovani, por dois períodos, e Miguel Proença.