Correio braziliense, n. 20934, 16/09/2020. Política, p. 9

 

Cartão vermelho na equipe econômica

Augusto Fernandes 

Ingrid Soares

Marina Barbosa 

Vicente Nunes 

16/09/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro perdeu a paciência com a equipe econômica após ela propor o corte de benefícios repassados aos brasileiros mais pobres como forma de viabilizar a criação do novo programa social do governo federal, o Renda Brasil. Visivelmente irritado, o presidente declarou que a iniciativa não será mais discutida até 2022. No momento em que vê a sua popularidade crescer entre os menos abastados, Bolsonaro ficou inconformado com uma eventual fragilização da sua imagem por conta de propostas que possam diminuir os direitos dos mais humildes e ameaçou demitir os integrantes do Executivo que recomendarem propostas que sejam “um devaneio de alguém que está desconectado com a realidade”.

Em vídeo publicado nas suas redes sociais na manhã de ontem, o presidente disse ser contra o congelamento de aposentadorias e pensões como alternativa para abrir espaço no Orçamento ao Renda Brasil. Esse plano veio à tona por meio do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, em entrevista ao Portal G1 no último fim de semana. Bolsonaro não foi avisado anteriormente sobre essa sugestão e tomou conhecimento da proposta por intermédio da imprensa. Irritado, o chefe do Executivo refutou essa ideia e deu um recado direto a Waldery: “Quem porventura vier a propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa”.

“É gente que não tem o mínimo de coração, o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados no Brasil. Pode ser que alguém da Economia tenha falado sobre essas coisas, pode ser. Mas, por parte de governo, jamais vamos congelar salário de aposentados, bem como jamais vamos fazer com que auxílio para idoso e pobre com deficiência seja reduzido para qualquer coisa que seja”, afirmou o presidente.

Bolsonaro garantiu que o governo “jamais tiraria dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos”, e ainda disparou: “Até 2022, no meu governo, está proibido falar em Renda Brasil, vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”.

Discussão

É a segunda vez que o mandatário reclama de forma dura e pública da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a formatação do Renda Brasil. No fim de agosto, Bolsonaro já havia ficado contrariado ao saber que Guedes e seus subordinados pensavam em propor o fim do abono salarial e do seguro-defeso para bancar o programa.

Ontem, depois de mais um tropeço da sua equipe, Guedes precisou ir pessoalmente ao Palácio do Planalto para tentar se justificar ao presidente. O ministro, contudo, não livrou a pele de Waldery. Após a reunião com Bolsonaro, ele disse em um evento sobre telefonia que não iria “tirar dinheiro de pobre” porque “não é demagogo”. Guedes ainda afirmou: “O cartão vermelho não foi para mim”.

“Conversamos sobre tudo após o vídeo. Eu respeito o desejo político do presidente e ele escuta as possibilidades técnicas da área econômica. Estamos sempre conversando. A democracia é barulhenta, mas não presta atenção no barulho, presta atenção nos sinais”, comentou Guedes, no seminário promovido pelo Sinditelebrasil.

As declarações de Guedes colocaram toda a equipe econômica sob tensão. A dúvida era se o secretário especial da Fazenda deixaria o governo para que toda a equipe não pagasse pelo preço desse cartão. Porém, a incerteza continua, pois Waldery se isolou ontem. O secretário deveria participar da coletiva virtual de apresentação dos novos parâmetros macroeconômicos do governo, mas cancelou a presença assim que Guedes foi chamado às pressas para o Planalto. Além disso, uma reunião entre Waldery e Guedes que constava na agenda do ministro não aconteceu. Segundo fontes, a reunião pode ocorrer hoje, mas ainda não está confirmada.

Apesar do impasse, Guedes segue defendendo a desindexação, a desobrigação e a desvinculação do Orçamento. Por isso, a discussão sobre o assunto deve continuar. O ministro diz que esta é uma forma de quebrar o piso do Orçamento sem furar o teto de gastos e devolver a gestão orçamentária à classe política.

Ontem, por exemplo, ele disse no evento do Sinditelebrasil que o Congresso pode tomar a decisão de desvincular certas despesas e manter o reajuste do benefício dos mais pobres. Por isso, Guedes voltará a tratar do assunto com o senador Márcio Bittar (MDB-AC), hoje. Relator do Pacto Federativo e do Orçamento, Bittar é a favor da desindexação, mas já avisou que só vai incluir a medida em seu parecer se tiver aval de Bolsonaro.

Repercussão

Para analistas, depois de mais essa crise, Guedes parece cada vez mais enfraquecido diante de Bolsonaro. Há quem diga até que isso agrada a muita gente da ala desenvolvimentista do governo e até parlamentares que não concordam com as ideias e com o posicionamento político do ministro da Economia, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Assim como o presidente, outros ministros chegaram ao limite com a “ousadia” do Ministério da Economia em se dar a liberdade de revelar os planos do governo sem que Bolsonaro ou outras pastas sejam previamente consultados. Na avaliação da equipe em torno do presidente, Bolsonaro não tolera mais saber, por meio da imprensa, das medidas em estudo pela Economia para tirar o Renda Brasil do papel.

“Guedes terá de dar explicações muito boas ao presidente. Nunca vi Bolsonaro tão irritado com a equipe econômica. Nós, que estamos no dia a dia do governo, que falamos diariamente com o presidente, estamos cientes de que Guedes já não faz tanto a cabeça do chefe”, disse ao Correio um ministro com grande trânsito no Palácio do Planalto.

O Ministério da Cidadania, que também tentava encontrar um jeito de colocar o Renda Brasil de pé, preferiu não se envolver nessa briga. Em nota, a pasta limitou-se a dizer que segue as orientações da presidência da República. Nas redes sociais, o ministro Onyx Lorenzoni fez um aceno a Bolsonaro, compartilhando o vídeo em que o presidente rechaça o congelamento das aposentadorias.