Correio braziliense, n. 20934, 16/09/2020. Ciência & Saúde, p. 13

 

Fracasso em preservar a biodiversidade

Vilhena Soares 

16/09/2020

 

 

Há 10 anos, um grupo de 192 nações, integrantes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), assinou um acordo em que se comprometeram a seguir uma série de metas criadas para preservar a biodiversidade do planeta. Em um relatório divulgado ontem, a Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que o cumprimento dos objetivos estabelecidos deixou a desejar. Especialistas acreditam que as próximas negociações do grupo, que deverão ocorrer em 2021, na 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP15), precisam ser revistas e acreditam que será necessário um maior investimento dos signatários do acordo, que inclui o Brasil.

Segundo o documento, em nível global, nenhuma das 20 metas, chamadas de Aichi, foi cumprida totalmente, embora seis tenham sido parcialmente alcançadas. Entre os desafios listados no acordo estão prevenir a extinção de espécies ameaçadas, reduzir e, se possível, eliminar os subsídios públicos que contribuem para a destruição da biodiversidade, gerenciar de forma sustentável os estoques de peixes e reduzir a poluição por plásticos. A perda de biodiversidade também foi confirmada por um relatório divulgado, na semana passada, pela WWF.

“Houve algum progresso (...) Por exemplo, o desmatamento caiu um terço, a gestão da pesca melhorou, a superfície de áreas protegidas aumentou (…), o que reduziu a extinção de espécies”, destacou, à Agência France-Presse (AFP) de notícias, Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da CDB. Mas, ao mesmo tempo, a ONU pontua ameaças a essas conquistas, como o fato de que a tendência se inverteu recentemente na Amazônia brasileira em termos de desmatamento e de que a proteção em algumas áreas ainda não se tornou efetiva. Além disso, embora o financiamento para a biodiversidade tenha dobrado, os subsídios aos setores prejudiciais, como a agricultura, são muito maiores.

O relatório recomenda mudanças profundas em oito áreas: uso da terra e de florestas, agricultura, sistema alimentar, pesca e oceanos, cidades, água potável, luta contra as mudanças climáticas e saúde. Especificamente, o acordo recomenda conservar ou restaurar ecossistemas terrestres e marítimos, desenvolver a agroecologia, reduzir o desperdício de alimentos, consumir carne e peixe com moderação, acomodar a natureza nas cidades, inspirar-se na natureza para combater as alterações climáticas e promover ecossistemas sustentáveis para a saúde humana. “Estamos exterminando sistematicamente todos os seres vivos não humanos”, alertou Anne Larigauderie, especialistas da ONU em biodiversidade.

Efeito pandemia

As novas negociações do grupo ocorrerão durante COP15, que seria realizada, no próximo mês, na China, mas foi adiada para 2021 em decorrência da pandemia da covid-19. Apesar desse atraso, pesquisadores avaloam que as conversas não serão prejudicadas. David Cooper, principal autor do relatório da ONU, acredita que a pandemia levou “muitas pessoas a se conscientizarem de que algo está errado na relação entre nós e o resto da natureza”. Para Cooper, surgirão novos objetivos durante as negociações, mas eles destaca que as conversas entre os líderes nunca foram um problema, mas, sim, o cumprimento delas. “Com certeza, mais recursos serão necessários”, ressaltou.

Mariana Napolitano, gerente do WWF-Brasil para Ciências, acredita que, mesmo com os resultados abaixo do esperado, ainda é possível fazer mudanças mais significativas em busca da preservação da biodiversidade. “É preciso definir um compromisso muito forte para a próxima década. Essa é a nossa última chance. Governos, empresas e cidadãos precisam compreender isso”, opinou.

 Para a especialista, no Brasil, a questão do uso da terra é uma das mais importantes. “O relatório destaca que o Brasil reduziu a taxa de desmatamento em 84% entre 2004 e 2012, mas demonstra preocupação pelas tendências mais recentes de aumento dessas taxas, especialmente na Amazônia. Em 2009, as taxas de desmatamento voltaram a se aproximar de níveis de 2008, 2009. Outro desafio grande para o Brasil foi eliminar ou reformar incentivos e subsídios que causam impactos negativos à biodiversidade”, detalhou.

 A especialista ressalta que os danos provocados ao meio ambiente estão relacionados ao surgimento de novas enfermidades, como a covid-19, o que reforça a necessidade da importância de cumprimento de metas estabelecidas. “A natureza está em declínio, e os principais drivers para isso são os mesmos que provocam o aparecimento de novas zoonoses. Alguns países já tomaram a dianteira, estabelecendo estratégias de recuperação econômica que endereçam não só a questão ambiental, mas as desigualdades sociais, também bastante evidentes na forma de enfrentamento da covid-19”, frisou.