Correio braziliense, n. 20935, 17/09/2020. Artigos, p. 11

 

O alvo e a reforma

Wederson Moreira 

Fábio Gondim 

17/09/2020

 

 

A gestão pública no Brasil comemora resultados como o arqueiro que, depois de jogar as flechas a esmo, corre onde elas se fixaram e pinta ao redor o alvo que jura ter acertado. Sem metas de resultados que os obrigue, qualquer resultado positivo é suficientemente bom para ser comemorado. Diante de tanta falta de destreza, a gestão pública não poderia, obviamente, satisfazer as necessidades da população.

A reforma administrativa apresentada, que promete solucionar “privilégios”, como salários acima do teto, dois meses de férias e moralização das despesas de pessoal, parece ter outro foco. A proposta faz algo bem diferente do prometido pelo governo. Ela vale para servidores em geral, mas foram excluídos militares, magistratura e Ministério Público. Desse modo, ao contrário do amplamente divulgado, ela não combate o que chamou de privilégios.

A reforma joga no servidor a culpa pelas mazelas da administração, colocando como sine qua non a avaliação de desempenho para bom serviço público. Todavia, a avaliação do servidor depende, antes de tudo, da definição de metas de resultados e da avaliação do próprio governo. Não há nenhuma utilidade a fixação de resultados para os servidores sem que o próprio Estado esteja submetido ao alcance de resultado, cujo objetivo final seja a melhoria do serviço público prestado.

A PEC 32/2020 prevê, ainda, alteração no estágio probatório, que hoje habilita para o exercício do cargo aquele que tiver o desempenho satisfatório. Na nova regra, apenas os que estiverem entre “os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência” serão mantidos. Ocorre que, para ser selecionado, o cidadão necessita de forte preparação de estudos, no mínimo, uns três anos, com investimentos financeiro, intelectual, logístico e de tempo.

No novo conceito, o cidadão pode, simplesmente, ser dispensado ao fim do período de experiência e ainda perder o trabalho que, eventualmente, tinha antes. Nesse sentido, quem vai trocar um emprego certo para investir num duvidoso, em que a efetivação pode ser negada por um conceito vago de desempenho. Reduz-se, significativamente, o interesse das pessoas pelo serviço público, em especial, dos melhores profissionais.

Os cargos comissionados serão extintos para dar lugar a cargos de liderança e assessoramento, o que, na prática, é a mesma coisa. A proposta colocada deveria dar tratamento digno e objetivo aos profissionais que já têm esse vínculo com o Estado, como criando um banco de experiência, em que eles teriam preferência de contratação sob outros profissionais, levando em conta experiência, capacitação, desempenho histórico e outros critérios objetivos, bem como lhes estender o amparo a direitos básicos, como FGTS.

Ponto curioso é a quebra da estabilidade. A regra existe para conferir proteção ao cargo e dar segurança à população, pois o servidor é funcionário do Estado, não dos governantes. Assim, o dispositivo visa a evitar que o servidor seja assediado moralmente e compelido, sob pena de demissão, a fazer determinada conduta para acobertar ilícitos de gestores e governantes mal-intencionados. Imaginemos, também, todos os servidores sendo trocados a cada quatro anos. O que seria do conhecimento dos órgãos públicos? Empresas mais eficientes, ao contrário, possuem um baixo índice de turnover.

A reforma apresentada é incompleta no sentido de que abarca somente temas relativos a pessoal. Aspectos relativos a planejamento, gestão, orçamento, execução, estrutura administrativa foram todos esquecidos.

É incoerente defender uma reforma como essa, a reforma que os servidores querem é a que devolva a capacidade gerencial do Estado e melhore a prestação de serviços à população. É preciso que o Estado brasileiro encare a gestão pública com seriedade e competência. 

 » WEDERSON MOREIRA

Auditor federal de controle externo do TCU e presidente da Associação dos Auditores Federais do TCU

 » FÁBIO GONDIM

Consultor legislativo do Senado Federal, é vice-presidente da Alesfe