O Estado de São Paulo, n.46278, 01/07/2020. Política, p.A6

 

Senado aprova projeto das fake news

Daniel Weterman

Camila Turtelli

01/07/2020

 

 

Governo e grandes plataformas da internet se posicionaram contra projeto que barra contas falsas e obriga armazenamento de dados

O Senado aprovou ontem o projeto de lei das fake news após um "vai e vem" de versões e uma série de polêmicas em torno da proposta. O texto recebeu 44 votos favoráveis e 32 contrários. Foram apresentados nove destaques, pedidos para alterar o texto. Só dois foram votados. Os demais foram retirados pelos partidos. O texto, agora, será analisado pela Câmara dos Deputados.

O projeto tenta alterar a lei e implantar um marco na regulamentação do uso das redes sociais, criando a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Companhias do setor apontam risco de censura à livre manifestação do pensamento com a mudança na legislação. O governo foi contra a aprovação do projeto. "Ainda não está adequado aos interesses nacionais", disse o líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra (MDB-PE). "A liberdade de expressão está sendo arranhada", disse.

O relator do projeto, Angelo Coronel (PSD-BA), desistiu de diversos pontos polêmicos, como o aumento de pena para crimes cometidos por usuários na internet e medidas para enquadrar milícias digitais. O temor de parlamentares era de que uma mudança na lei se voltasse contra redes ligadas a políticos. As plataformas digitais poderão ser responsabilizadas se não adotarem práticas contra disseminação de notícias falsas.

Pelo texto, empresas com mais de 2 milhões de usuários, como Facebook, Twitter e WhatsApp, deverão colocar em prática uma política de controle da disseminação de fake news. Se não criarem as regras, a pena pode ser advertência ou multa relativa a 10% do faturamento da companhia no Brasil. As plataformas também deverão barrar o uso de contas falsas e deixar claro quando determinado perfil é operado de forma automatizada. Nos aplicativos de mensagem, o encaminhamento de um mesmo texto ou imagem para múltiplos telefones passa a ser proibido.

Outro item obriga os aplicativos a armazenar por três meses dados de usuários que encaminharem correntes. Um dos destaques rejeitados visava retirar esse artigo do texto final, mas foi derrubado. O argumento é chegar à raiz de uma fake news em investigação judicial, por exemplo. Além disso, as empresas de telefonia móvel serão obrigadas a recadastrar e autenticar a identidade de todos os portadores de chip pré-pago, evitando o uso de CPF de outra pessoa.

O projeto também autoriza as plataformas a apagar conteúdos antes mesmo de uma decisão judicial, se houver indução ao suicídio, à pedofilia ou conteúdo manipulado sobre a identidade de algum candidato.

O diretor de Políticas Públicas do WhatsApp na América Latina, Pablo Bello, afirmou que a nova lei será um "presente" do Brasil a regimes autoritários. "Eventualmente, países não democráticos poderiam acessar esse tipo de informação para perseguir ativistas, jornalistas e cidadãos comuns como nós que têm uma opinião, simplesmente. Em nenhum país do mundo existe um mecanismo de rastreabilidade como esse."

Defensores do projeto argumentam, por outro lado, que apenas os metadados - uma espécie de "capa" no entorno das informações dos usuários - seriam guardados.

Bloqueio

O Senado proibiu detentores de cargos no Executivo e no Legislativo de bloquearem seguidores em seus perfis nas redes sociais. "É um ônus em razão do cargo", disse o senador Angelo Coronel.