O Estado de São Paulo, n.46278, 01/07/2020. Metrópole, p.A10

 

Suspeita de fraude em currículo derruba Decotelli cinco dias após nomeação

Renata Cafardo

Jussara Soares

Julia Lindner

01/07/2020

 

 

Economista entregou pedido de demissão ao presidente depois de ter títulos acadêmicos questionados por universidades estrangeiras e pela FGV; Planalto busca nomes para anunciar o mais rápido possível o 4º indicado para o cargo em um ano e meio da gestão Bolsonaro

Pressão. Manifestação da FGV de que Decotelli não era do quadro de professores da instituição irritou Bolsonaro; economista perdeu apoio da ala militar

O economista Carlos Alberto Decotelli, nomeado ministro da Educação semana passada, deixou o governo ontem antes mesmo de tomar posse. Após seu currículo ter sido questionado por universidades estrangeiras e pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o governo pediu que ele entregasse carta de demissão, aceita em seguida pelo presidente Jair Bolsonaro. Decotelli ficou cinco dias no cargo. Foi o terceiro a assumir o MEC em um ano e meio de governo.

O Planalto não informou o substituto de Decotelli e analisa vários nomes para um anúncio o mais rápido possível. Até a noite de ontem, um dos mais cotados para assumir a pasta é o atual reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Anderson Correa. Ele presidiu em 2019 a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao MEC, quando foram cortadas milhares de bolsas de mestrado e doutorado. Tem apoio tanto da ala militar quanto dos evangélicos, já que segue a religião. É formado em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fez carreira no ITA.

Decotelli confirmou, em entrevista à CNN, que a gota d' água para o pedido de demissão foi a nota da FGV desmentindo que ele seria professor da instituição, como o Estadão adiantou. Segundo ele, a fundação mentiu. Procurada, a FGV disse que reitera as informações dadas anteriormente, de que ele "foi professor colaborador dos cursos de formação executiva".

Na nota, a FGV informa que Decotelli não foi pesquisador ou professor da instituição. Bolsonaro se irritou ao saber de nova incoerência no currículo do indicado, que já teve doutorado e pós-doutorado questionados por universidades estrangeiras e é acusado de plágio no mestrado, o que Decotelli nega.

O governo, então, passou a pressioná-lo para que apresentasse a carta de demissão. Ele perdeu apoio do grupo militar que o indicou ao governo. Segundo o texto da FGV, cursou mestrado na instituição, concluído em 2008, "atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas de formação de executivos e não como professor de qualquer uma das escolas da Fundação".

A situação é comum na instituição em cursos latu sensu, como MBAs. Professores são chamados como pessoa jurídica e atuam só em períodos específicos e não integram o corpo docente permanente da instituição. "O presidente disse que se até a FGV estava negando que fui professor era inviável continuar", disse Decotelli à CNN.

Segundo o Estadão apurou, a nota da FGV abalou o economista. Para ele, houve uma "construção fake da FGV", já que ele atuava na instituição de ensino, segundo ele, "há 40 anos".

Recado. Anteontem, o presidente chamou Decotelli para uma conversa e publicou nas redes sociais que o economista era vítima de críticas para desmoralizá-lo. Mas deu um recado: "O Sr. Decotelli não pretende ser um problema para a sua pasta (governo), bem como está ciente de seu equívoco." E não indicou que haveria posse, inicialmente marcada para ontem. Decotelli saiu da reunião dizendo que era o ministro.

Segundo fontes, no entanto, o fato de Decotelli ser contestado agora por uma instituição do Brasil foi o que mais pesou para o governo Bolsonaro. Na semana passada, ele foi questionado por Franco Bartolacci, reitor da Universidade Nacional de Rosário (Argentina), que disse que ele não conclui o doutorado. Em seguida, Decotelli retirou o título de doutor do currículo na plataforma Lattes.

Anteontem, a Universidade de Wuppertal (Alemanha) também afirmou que ele não fez pós-doutorado na instituição. Decotelli novamente mudou o currículo, tirando menção ao pós-doutorado.

Apesar de a nomeação ter sido publicada no Diário Oficial da União no último dia 25, Decotelli ainda não tinha poder para despachar. Ele já frequentava o MEC e preparava mudanças na pasta, mas, oficialmente, os atos só teriam validade após a assinatura do termo de posse.

Após turbulências e críticas de paralisia durante 14 meses da gestão de Abraham Weintraub à frente do MEC, o nome de Decotelli havia sido visto com mais aceitação por educadores, secretários e parlamentares pelo fato de o economista não ser ligado à ala considerada ideológica do governo, ligada a Olavo de Carvalho.

AS INCOERÊNCIAS

• Doutorado na Universidade Nacional de Rosário

No currículo do agora ex-ministro constava o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário. Só que o reitor, Franco Bartolacci, revelou que Decotelli não obteve o título. "Cursou o doutorado, mas não o concluiu, pois falta a aprovação da tese. Portanto, não é doutor pela Universidade Nacional de Rosário, como chegou a se afirmar." À TV Globo, Decotelli disse que completou todos os créditos do curso, mas assumiu que não fez a defesa de tese. Segundo ele, porque não tinha mais interesse em permanecer na Argentina, onde ficou de 2007 a 2009. Ele refez o currículo na plataforma Lattes.

• Plágio na dissertação/FGV

O economista Thomas Conti apontou, no Twitter, possíveis indícios de cópia da dissertação de mestrado de Decotelli apresentada à Fundação Getulio Vargas (FGV). Conti citou trechos na dissertação idênticos a um relatório do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O ex-ministro disse em nota que iria mudar o currículo para "dirimir dúvidas". Ele informou que as acusações de suposto plágio não envolvem "dolo" de sua parte e "quaisquer omissões" são "falhas técnicas ou metodológicas", mas se dispôs a fazer uma revisão no trabalho. A FGV investigará o caso.

• Pós na Alemanha

O pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha, também passou a ser debatido após a instituição fornecer informações diferentes das que constam no currículo do agora ex-ministro, informando que ele não obteve título de pós-doutorado. O ministro passou a alegar ter submetido à universidade um "projeto de pesquisa" sobre sustentabilidade e produtividade na automação de máquinas agrícolas, com apoio da empresa Krone.

• Mais problemas na FGV

A FGV também informou que Decotelli não foi pesquisador ou professor da instituição. "Atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas de formação de executivos e não como professor de qualquer das escolas da Fundação", afirma texto divulgado pela FGV. Segundo a FGV, isso quer dizer que ele não faz parte do corpo docente da instituição e, sim, atuou como professor colaborador. O presidente Jair Bolsonaro ficou irritado ao saber dessa incoerência.