Correio braziliense, n. 20936, 18/09/2020. Cidades, p. 17

 

Risco de novo pico, mesmo após queda

Alexandre de Paula

Mariana Machado 

18/09/2020

 

 

Mesmo com a taxa de reprodução da covid-19 no Distrito Federal em queda, especialistas ouvidos pelo Correio alertam que há riscos de nova explosão de casos, se não forem mantidos os cuidados para prevenção contra o contágio. De acordo com estudo do grupo PrEpidemia, da Universidade de Brasília (UnB), a taxa de transmissão da doença entre indivíduos — R(t) — está em 0,88. Na prática, isso quer dizer que 100 infectados, em média, transmitem o vírus a 88 pessoas. O índice médio chegou a estar, em maio, em 1,25. Entretanto, a capital não alcançou imunização coletiva, ou de rebanho, explicam epidemiologistas, e o resultado positivo dos últimos dias é fruto das medidas de contenção tomadas até agora e da redução de pessoas suscetíveis em circulação nas ruas. Ontem, 1.021 novos casos foram registrados, além de 22 mortes. Ao todo, são 180.844 confirmações, 3.022 óbitos e 169.645 recuperados.

“Esse início de queda é muito recente e muito tímido. Você precisa ter queda continuada em casos e óbitos para se chegar a uma situação de mais tranquilidade. Não se pode relaxar. O importante é que o governo continue a monitorar muito para garantir que a queda se mantenha e, se perceber aumentos, tem de ter coragem de voltar atrás e tomar medidas mais rígidas”, explica o epidemiologista Mauro Niskier Sanchez, da UnB. “Se não houver cuidados, podemos ter um retorno ao patamar mais alto de casos, e nem será uma segunda onda porque não saímos da primeira.”

O especialista explica que a queda na transmissão é resultado das ações de distanciamento e de medidas de prevenção e combate, como o uso de álcool em gel e de máscaras. “Como a gente está em platô prolongado desde junho, portanto há bastante tempo nisso, em algum momento veríamos algum efeito. A abertura que aconteceu também não foi total. Estamos começando a colher esses resultados das medidas não farmacológicas. Infelizmente, são ganhos que estamos tendo um pouco tarde”, acrescenta.

Assim como Sanchez, o epidemiologista Walter Massa Ramalho refuta a tese de que a capital federal chegou a um ponto de imunização coletiva. “Quando isso ocorre, a gente tem uma taxa de contágio muito baixa e é um sinal de que não temos mais transmissão na nossa sociedade. Isso não ocorreu no DF. O vírus continua circulando”, alerta.

Ramalho destaca como a razão para a queda na reprodução do vírus o fato de que o número de pessoas suscetíveis à doença está menor. “Diante dessa situação de que aumentamos o contato e diminuímos o isolamento, e mesmo assim as taxas não estão aumentando (têm diminuído), temos uma razão que a gente pode falar que é próprio esgotamento de suscetíveis. Se não existem vacinas e medicamentos, a única forma de evitar o contágio é o isolamento social. Se isso não está ocorrendo e há queda, é porque uma grande parcela da nossa sociedade já foi infectada”, comenta.

Recomendações

No entanto, a parcela de suscetíveis descrita pelo professor faz referência a pessoas que se expõem à possibilidade de serem contaminadas, como as que precisaram continuar trabalhando presencialmente e usando transporte público. Quem seguiu o distanciamento com mais rigor até agora continua no grupo que não tem defesa contra o vírus e, caso não siga as recomendações, passa a ser alvo para contaminação. Está nesse fator o principal risco de que o DF tenha nova explosão de casos.

“Quando a gente diz que há diminuição da suscetibilidade, não quer dizer que há imunização de rebanho e que estamos sem risco. Queremos dizer que aquelas pessoas que seguraram o alto patamar antes são o grupo que está mais imunizado hoje, mas as pessoas que ficaram recolhidas são altamente suscetíveis e, se tiverem contato ampliado, nós vamos ter um outro boom”, observa Ramalho. Isso, pondera o professor, tem sido registrado em países da Europa, como Espanha.

Vigilância

Cássio Roberto Leonel Peterka, diretor de vigilância epidemiológica da Secretaria de Saúde, afirma que o governo tem mantido, desde o início da pandemia, equipes atentas para a questão e que a queda nos números não significa momento de tranquilidade. “Essa redução que temos visto nos últimos dias não está nos livrando da transmissão do coronavírus no DF. É um conjunto de ações que vai desde a Secretaria de Saúde e GDF, ao apoio da população com medidas de isolamento, evitar aglomeração, uso da máscara, lavar as mãos. Embora tenha muita perspectiva de vacina, ou mesmo tratamento de pessoas com plasma curado, tudo está muito na fase de pesquisas iniciais. Então, a gente continua trabalhando para identificar os positivos, ir atrás dos contatos e orientar para que sigam medidas de prevenção”, detalha. “A gente tem, hoje, sistema de vigilância no DF muito robusto em que a gente consegue captar casos positivos da rede privada e pública.”

Ele destaca que a população precisa continuar seguindo as recomendações. “Mesmo com essa redução de casos, as ações não farmacológicas são as mais efetivas para reduzir a transmissão deste vírus. É uma ação que não adianta pensar que só a vigilância ou a Secretaria de Saúde vai resolver. Precisa do apoio de todos. A gente está em redução, mas isso não é fruto único da ação do governo, é também pelo apoio da população”, afirma.