Correio braziliense, n. 20938, 20/09/2020. Política, p. 2

 

Bolsonaro cada vez mais personalista

Augusto Fernandes 

Ingrid Soares 

20/09/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro tem visto a sua popularidade crescer nos últimos meses e quer garantir que esse bom momento não seja algo passageiro. Para isso, o chefe do Executivo tem tomado o cuidado de tentar desvincular o nome dele de propostas que possam significar uma afronta para a população ou repercutir de forma negativa entre os seus eleitores. Os movimentos de Bolsonaro são minimamente calculados, especialmente por causa da sua pretensão de se reeleger em 2022. Com sede de poder, o presidente fará de tudo para manter a boa imagem até o próximo pleito presidencial, mesmo que para isso ele tenha de desagradar aos seus próprios comandados.

Os sinais mais claros disso aconteceram na última semana. Para seguir em alta com os brasileiros mais pobres, que passaram a apoiá-lo por conta do sucesso do auxílio emergencial, Bolsonaro criticou o Ministério da Economia por sugerir cortar benefícios da população menos abastada como forma de viabilizar a criação do Renda Brasil, programa social que deve substituir o Bolsa Família. Além disso, para manter mobilizada a sua base de apoio mais fiel, disse ser a favor do afrouxamento das regras tributárias para igrejas e templos, o que também não encontra respaldo na equipe econômica.

Contudo, como os temas causaram ruído dentro do Executivo, o presidente decidiu transferir a responsabilidade para o Congresso Nacional. Deu aval para que o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento para 2021, construa um novo programa de transferência de renda e incitou os parlamentares a darem a palavra final sobre o projeto de lei que permite o perdão de dívidas tributárias a instituições religiosas — Bolsonaro até orientou a derrubada do seu veto à proposta, que só foi estabelecido para que ele não respondesse a um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal.

Para evitar um desgaste desnecessário à sua gestão, o presidente espera que deputados e senadores levem o tempo que for necessário para concluir as propostas e tomem “a decisão correta” por ele. A ideia do chefe do Executivo é poupar-se de episódios como o da última terça-feira, quando fez um desabafo público sobre o inistério da Economia pela proposta de congelar aposentadorias e pensões como alternativa para abrir espaço no Orçamento ao Renda Brasil. “Quem porventura vier a propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa”, advertiu o chefe do Planalto.

Sinais trocados

No Congresso, o comportamento de Bolsonaro é visto com ceticismo por parte de alguns parlamentares. A avaliação de deputados e senadores é de que o presidente está disposto a fazer tudo para seguir no Palácio do Planalto até 2026, apesar de não ter completado nem metade do seu primeiro mandato ainda. Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), a possibilidade de reeleição é um problema, pois ela “desencadeia a perversão das primeiras finalidades de um governo”.

Ele destaca que Bolsonaro já não demonstra mais se preocupar tanto com o “receituário liberal”, de promessa de ajuste fiscal e contenção da máquina pública, que o elegeu há dois anos. “Temos um presidente em franca caminhada para a sua tentativa de reeleição. Portanto, muitas das decisões que estão sendo tomadas se devem mais ao candidato à reeleição do que ao presidente Jair Bolsonaro”, opina.

“Quando o presidente se mostra, agora, desenvolvimentista, tendo um ministro da Economia com perfil nitidamente ultraliberal, não dá, evidentemente, para se vislumbrar qual é o perfil desse governo. O presidente faz de tudo para a expansão das contas públicas, objetivando a reeleição, enquanto o ministro da Economia procura reduzir o tamanho do Estado, objetivando o ajuste fiscal. São sinais trocados no mesmo governo. Isso é ruim para o país”, acrescenta o deputado.

Trad acredita ser negativa a sinalização que Bolsonaro passa para a sociedade com esse tipo de atitude. Para o deputado, o presidente coloca o país em perigo ao assumir o risco de degradar as contas públicas para que, em um eventual segundo mandato, possa minimizar os danos causados “pelo seu desejo infrene de reeleição”. “Estamos prestes a perder o controle das contas públicas, ver a volta da inflação e a degradação total da nossa economia. Bolsonaro tem mais a perder, porque as instituições, incluindo o mercado, não veem com bons olhos esse tipo de comportamento”, observa o parlamentar.

O senador Major Olímpio (PSL-SP), por sua vez, diz que Bolsonaro pode fracassar em querer agradar a todos. Além disso, ele critica a desistência do presidente de chancelar assuntos polêmicos e de ter “jogado a bomba” para o Congresso. “Ele está se tornando o capitão Pôncio Pilatos. Qualquer circunstância que possa exigir uma postura de governante, ele lava as mãos e promove situações ridículas, deixando o problema para o Parlamento. No final, se der certo, ele vai querer ficar com os créditos. Se der errado, vai dizer que a culpa é nossa”, pondera. “Para Bolsonaro, não existe interesse público. Existe o interesse dele apenas no seu projeto de poder”, finaliza.

Mudanças

Cientistas políticos ressaltam que o fato de Bolsonaro ir contra a própria equipe é um ponto bastante negativo, pois a impressão que fica é a de que há uma descoordenação nas engrenagens do governo e que o presidente não tem autoridade suficiente para ser comunicado sobre as decisões da sua equipe.

“O desentendimento sobre o Renda Brasil evidenciou um ruído entre a economia e o Executivo. O secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, veio a público apresentar uma proposta que depois foi rechaçada por Bolsonaro. Mostra que não houve entendimento prévio antes de apresentar”, constata o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) Paulo Kramer.

Para evitar ainda mais prejuízos à sua imagem, Bolsonaro precisa deixar de lado, também, os desabafos públicos, que apenas fazem com que ele tome decisões precipitadas. “Bolsonaro fez uma reflexão imediata em função do péssimo impacto das hipóteses cogitadas para custeio do programa. Teve uma reação impensada e, tentando baixar a fumaça e evitar que o incêndio prosperasse, colocou um basta. Mas, como é rotineiro no governo, rapidamente deu um ‘cavalo de pau’ e pediu estudos para criar um novo projeto”, comenta o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.

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Cirurgia marcada para próxima sexta-feira 

Marina Barbosa 

20/09/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro vai se submeter a mais um procedimento cirúrgico. Ele vai ser operado na próxima sexta-feira para retirar um cálculo na bexiga, que, como já informou a seus apoiadores no início deste mês, está “maior do que um grão de feijão”. Ontem, passeou por Brasília e participou de uma cerimônia religiosa.

A cirurgia será realizada no Hospital Vila Nova Star, da Rede DOr São Luiz, em São Paulo, onde o presidente já foi operado em setembro do ano passado para corrigir a hérnia incisional surgida na área atingida pela facada em 2014. O procedimento será conduzido pelo urologista Miguel Srougi, segundo a Agência Estado. Professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), o médico é considerado um dos principais cirurgiões do país e já atendeu outras figuras políticas, como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer.

Srougi, porém, mostrou-se um crítico à postura adotada pelo governo de Jair Bolsonaro na pandemia de covid-19. Chegou a afirmar que “o presidente menosprezou a gravidade da pandemia” e que, por isso, o Brasil estava assistindo ao avanço do novo coronavírus como espectador. Depois que Nelson Teich pediu demissão do Ministério da Saúde, Srougi ainda criticou a insistência de Bolsonaro em usar a cloroquina no tratamento da covid-19.

O Palácio do Planalto não deu detalhes sobre a nova a cirurgia de Bolsonaro. Segundo a Secretaria Especial de Comunicação, “as informações serão repassadas oportunamente”. Já Bolsonaro avisou, desde o início do mês, que teria que ser operado para retirar um cálculo na bexiga. Ele contou a apoiadores que o cálculo existe há cinco anos, mas, agora, precisa ser retirado porque está ferindo internamente órgão.

De novo sem máscara

Ontem, em discurso na Assembleia Geral da Convenção Evangélica, no Distrito Federal, o presidente não tocou no assunto, mas ressaltou que sempre agradece a Deus pela “segunda vida”. O chefe do Executivo disse que o Brasil “está no caminho certo” em relação à pandemia e deve superar o novo coronavírus ainda este ano. “Passamos uma grande provação, ou melhor, estamos no final dela. Na parte econômica, o Brasil foi o que melhor se saiu. Quis o destino também que, na área de saúde, aos poucos, ao se deixar de politizar a única alternativa que nós tínhamos, começou-se a salvar mais vidas no Brasil”, alegou, garantindo que, em um momento difícil como o atual, não vai “se esconder em um palácio”.

Depois da cerimônia religiosa, Bolsonaro passou por uma casa lotérica da quadra comercial 103/104 da Asa Norte. Sem máscara, ele tirou fotos e causou aglomeração. No passeio por Brasília, foi cobrado pela alta do arroz. Ele respondeu que “se fosse só o arroz, estava resolvido”. Depois, nas redes sociais, voltou a dizer que não vai tabelar o preço do alimento. No post, o presidente ainda defendeu o ministro da Justiça, André Mendonça, que pediu explicações sobre a alta do produto aos supermercados, e compartilhou um vídeo em que o deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP) justifica a ação do Ministério da Justiça.