Título: Bem me quer...
Autor: Mader, Helena; Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 21/02/2013, Mundo, p. 20

Yoani Sánchez rouba as atenções no Congresso e vira pivô de disputa doméstica

O bate-boca acalorado entre partidários e adversários do regime comunista cubano deu ontem o tom da passagem da blogueira dissidente Yoani Sánchez pelo Congresso Nacional. Mas a polêmica sobre o embargo americano à ilha e as críticas ao sistema de governo de Cuba acabaram em segundo plano. Parlamentares da oposição aproveitaram os holofotes para transformar a ocasião em oportunidade para desfiar críticas ao PT e ao governo brasileiro. Depois da sessão, a cubana confessou sua surpresa com a repercussão: “Foi o dia mais louco da minha vida”.

O tour pelo Congresso já começou com muita confusão. Ela chegou em uma van, acompanhada do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), responsável pelo convite. No trajeto até a Esplanada, a cubana, com uma equipe de TV brasileira, elogiou a beleza da Catedral de Brasília. Yoani era aguardada na porta por dois líderes oposicionistas na Câmara: Ronaldo Caiado, do DEM, e Carlos Sampaio, do PSDB. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) aproveitou a sessão em homenagem a Yoani e discursou em defesa do regime militar no Brasil. Apoiadores da blogueira também esperavam por sua chegada, e ela precisou de escolta para descer do veículo e caminhar até o corredor das comissões da Câmara.

Na entrada do plenário 1, os manifestantes que saudavam a blogueira se depararam com um barulhento protesto contra ela. Os defensores do regime castrista afirmavam, aos berros, que Yoani seria uma “mercenária” a serviço do governo americano. Representantes dos dois grupos tentaram entrar no plenário, mas a maioria foi barrada.

Cercada por parlamentares da oposição, Yoani assistiu a trechos do documentário Conexão Cuba Honduras, do diretor Dado Galvão, que mostra o cotidiano dos moradores da ilha. O senador petista Eduardo Suplicy (SP) era o único governista do grupo que ciceroneava Yoani. Ele ouviu calado à sucessão de críticas ao PT e ao governo e recriminou os manifestantes que protestavam contra a blogueira. “A vinda da Yoani Sánchez é um sinal formidável para que o presidente Barack Obama e o Congresso norte-americano terminem de vez com o embargo”, argumentou Suplicy.

Os líderes da oposição se sucederam no microfone e, em meio a elogios a Yoani, alfinetavam o governo. O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), comparou a recepção à blogueira e a outros dissidentes cubanos à concedida a Cesare Battisti, ex-militante da extrema-esquerda armada. Acusado de homicídio no país natal, ele conseguiu convencer o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a negar sua extradição, em 2010. “Quando Battisti chegou ao país, teve todas as concessões e espaço para ser anistiado. Quando dois boxeadores cubanos buscaram a liberdade no Brasil, acabaram presos e deportados”, comparou Caiado, que revelou o “sonho” de ver Yoani no comando da ilha.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) retomou as denúncias de que um funcionário do Planalto teria participado de um suposto complô para difamar Yoani. “O que ocorreu em Brasília não pode ser ignorado pelo Congresso e pelo governo. Foi uma conspiração do mal”, acusou. O tucano citou ainda a existência de um dossiê contra a blogueira e, mais uma vez, atacou o governo e o PT. “Conhecemos a prática dos dossiês, como o dos aloprados, os das campanhas eleitorais. O que não sabemos é se a fábrica desses dossiês é Brasília ou Havana.”

Yoani Sánchez falou sobre a polêmica dos dossiês e descartou a ideia de um dia assumir o governo de Cuba. “Provavelmente, não me candidataria se Cuba virasse uma democracia. Mas, certamente, trabalharia por uma imprensa crítica e livre”, garantiu. “Não é um dossiê que traz argumentos, mas que quer me matar ética e moralmente.”

Como contraponto, coube ao deputado Glauber Braga (PSB-RJ) questionar Yoani sobre o bloqueio americano e a manutenção da prisão de Guantánamo. Também quis saber sua opinião sobre os cinco cubanos presos nos Estados Unidos desde 1998, sob a acusação de espionagem. “Vai para Cuba!”, gritou para Glauber um dos participantes da sessão. Quando o deputado perguntou à visitante sobre o financiamento de sua viagem, um colega ironizou: “Certamente, não foi com dinheiro do mensalão”.

Yoani disse que o embargo americano “deve terminar já” e criticou “as violações de direitos” que acontecem na prisão de Guantánamo, onde os EUA mantêm suspeitos de terrorismo. Sobre o financiamento de sua viagem de 80 dias pelo exterior — com escalas previstas também nos EUA e em países da Europa —, ela explicou que as passagens são pagas por entidades como a Anistia Internacional e universidades.

Três perguntas para Yoani Sánchez , blogueira cubana

Você teve tempo para tuitar hoje? O problema é que fiquei sem bateria do celular. Mas enquanto estava na Câmara consegui postar algumas coisas como: “Isso é impressionante! Já estou na Câmara dos Deputados”. Daí, logo a bateria acabou.

O que você espera ao fim desta viagem internacional? Quero voltar com muitas informações, conhecimento e sendo uma cidadã melhor, mais livre.

Você vai se encontrar com outros dissidentes (cubanos) nos Estados Unidos? Vou me encontrar com qualquer pessoa, de todas as tendências, cidadãos de bem, diplomatas, funcionários. Quem quiser me estender a mão, ali estarei.