Correio braziliense, n. 20938, 20/09/2020. Artigos, p. 11

 

As três erronias da política externa

Sacha Calmon

20/09/2020

 

 

A primeira erronia é o alinhamento automático com os EUA. A segunda, a imediata e estúpida aversão à China, nosso maior parceiro comercial. A terceira, a falta de diálogo e até mesmo desprezo pelos países da América de língua espanhola (do México à Patagônia).

Afora esse formato simplório, três outras questões são mal vistas pela comunidade internacional, a saber: a má gestão dos biomas brasileiros da Amazônia legal, Mata Atlântico e do Pantanal, o que para o mundo é um escândalo (do governo Bolsonaro) o que não é absolutamente carreto à medida que já eram preexistentes ao seu governo.

Aqui a acusação é outra, a de que no governo de Bolsonaro esses problemas se agravaram, as queimadas aumentaram e as “invasões” triplicaram agudizando as questões do aquecimento global, do direito de propriedade e da agitação social no campo.

O Ocidente não vê com bons olhos o Brasil...

A questão do alinhamento automático é até anedótica. Os EUA não nos dão preferência e até impedem produtos e pessoas de viajarem para lá. Nas questões imigratória, cientifica, militar, tecnológica ou agrícola não gozamos de primazias.

Somos tratados como qualquer país sul americano, exceto o México. Nós, ao contrário “abrimos as pernas”, chega a ser pornográfico. Mas, o que é mais desprezível para o brasileiro informado é que o “desprezado”, no caso o Brasil, venera justamente quem o despreza, algo sadomasoquista. Se não fosse vergonhoso.

Não é que a Europa se irrite ou se ressinta disso. A questão para eles, com razão, é de resguardar o meio ambiente, as exigências sanitárias de nossas exportações e nossas políticas de preservação da fauna e flora.

Nunca o Brasil foi tão malvisto no exterior. Nessa imagem era mais positiva. Certos governantes foram bem-vistos: Juscelino, Fernando Henrique, Itamar, cheio de comendas e elogios, só para exemplificar. Hoje, estamos no fundo do poço. O Itamaraty foi ocluso de propósito. Politizaram a diplomacia. Temos, se é que temos, na ONU, um debilóide, o ex-secretário da Educação. Vade retro Wintraub.

A diplomacia deve ter alavancas que favoreçam a economia. As nossas sob Bolsonaro e Araújo, um incompetente segundo as nossas fontes diplomáticas, são ideológicas, o que é um erro indesculpável.

A ignorância, a estupidez é forte neste desgoverno medíocre, ora “populista” (só quer distribuir dinheiro para garantir a reeleição). Nossas iniciativas são apenas “ideológicas”, como se a China fosse comunista e não um país capitalista, que mais cresce, comercia e cria tecnologias (tipo reconhecimento facial e compras sem dinheiro nem cartão) a ponto de fazer os EUA temerem ser suplantados muito antes do que esperavam. (O G5 é um pesadelo para Trump e sua prepotência).

No caso do Brasil, virou mania se contrapor à China no escalão de Brasília, a ponto de se recusar as tecnologias a nós oferecidas, em que pese ser o nosso maior comprador e investidor em tecnologia fina, na informática, sistemas e agronegócio. Deveríamos, isto sim, manter distanciamento e tirar vantagem de confrontos alheios. Nosso poderio é restrito à América do Sul, se tanto!

Aqui não se sabe quem mais relincha, se os órgãos de fomento do governo ou nossa decaída diplomacia. A China envia ou deixa que sigam para a Austrália e Reino Unido e até para os EUA seus estudantes, para captar e depois melhorar suas tecnologias de ponta. Sob o escudo atômico da Rússia...

A China já é uma potência tecnológica, mas busca em qualquer parte do mundo as inovações. São quatro mil anos de civilização. Vencidos os “dois séculos de vergonha” (séculos 18 e 19) retoma ao lugar que sempre foi seu, o de potência mundial.

O “Império do Meio”, pense nisso, Trump, já fazia porcelana e seda quando seus ruivos progenitores, por seus antepassados, eram bárbaros, muito aquém dos impérios de Ciro (Pérsia), Alexandre (Grécia) e o Romano, o mais duradouro da história, fonte primeira da organização política e jurídica do Ocidente.

Os EUA são uma grande, populosa e rica nação. Que não faça de sua grandeza, uma fonte de mesquinharias. A solução mais útil é a convivência pacífica e não uma nova “guerra fria”, a bem da humanidade. Por qual razão ou desígnio divino têm necessariamente que ocupar o primeiro lugar? A incúria atrasa, mas o orgulho, por si só, gera dor, vergonha e atraso para a humanidade.