O globo, n. 31794, 24/08/2020. País, p. 4

 

Ataque a imprensa

24/08/2020

 

 

Bolsonaro ameaça repórter com “porrada" e gera reação em massa

 A ameaça do presidente Jair Bolsonaro a um repórter do GLOBO, ontem, gerou uma onda de reações em defesa do jornalismo. Incomodado com uma pergunta sobre os R$ 89 mil transferidos por Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, e sua mulher para a primeira dama, Michelle Bolsonaro, o presidente, em dois momentos, afirmou que estava com vontade de “encher” o jornalista “de porrada”. Bolsonaro também se referiu ao profissional como “safado”.

O presidente estava em frente à Catedral Metropolitana de Brasília e disse que não conversaria com os repórteres que acompanhavam seu deslocamento. Ele foi questionado sobre a transferência para Michelle, feita por meio de cheques, se negou a responder e, enquanto andava, falou que iria “encher a boca desse cara de porrada”, em menção a quem havia feito a pergunta. Novamente indagado, Bolsonaro repetiu a agressão verbal.

—Minha vontade é encher a tua boca com uma porrada, tá? — disse, referindo-se ao repórter do GLOBO.

Em outra ocasião, o presidente já havia mandado repórteres “calarem a boca”, mas o episódio de ontem elevou o grau de hostilidade.

Desde que os depósitos na conta da primeira-dama foram revelados, o presidente não deu explicações. A pergunta que motivou a reação agressiva foi repetida nas redes sociais por jornalistas, intelectuais e artistas, em gesto de apoio ao jornalismo e solidariedade ao profissional — o termo “Michelle” ficou entre os assuntos mais comentados do Twitter.

No início do mês, reportagens mostraram repasses de R$ 89 mil de Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar, para Michelle. Em um episódio anterior em que haviam sido divulgadas informações sobre movimentações financeiras envolvendo Queiroz e Michelle —um cheque de R$ 24 mil —, Bolsonaro afirmou que o repasse era o pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil. Os extratos de Queiroz mostraram que não há depósitosdeBolsonaronaconta do ex-assessor — o sigilo foi quebrado pela Justiça em meio à investigação da “rachadinha”.

Entidades de diversos setores da sociedade reagiram à agressão. O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, chamou a postura de Bolsonaro de “lamentável” e afirmou que a atitude não “contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição”. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo, reforçou que aperguntafeita“erapertinente e de interesse público”.

Em uma nota conjunta, as entidades Abraji, Artigo 19, ConectasDireitosHumanos,Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres sem Fronteiras afirmaram que “um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é próprio de ditaduras, não de democracias”. Já o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, disse que o episódio mostra a “volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao colunista Lauro Jardim que “a liberdade de imprensa é inegociável”.

RESPOSTA DO GLOBO

O GLOBO reagiu à ameaça com a seguinte nota:

“O GLOBO repudia a agressão do presidente Jair Bolsonaro a um repórter do jornal que apenas exercia sua função, de forma totalmente profissional, neste domingo. Em cobertura de compromisso público do presidente, o repórter solicitou que ele se pronunciasse sobre reportagens da revista “Crusoé” e do jornal “Folha de S.Paulo” que, no início deste mês, informaram que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e a mulher dele depositaram cheques no valor de R$ 89 mil na conta da primeiradama, Michelle Bolsonaro. Anteriormente, o presidente havia prestado uma informação diferente sobre os valores.

Bolsonaro, então, em manifestação que foi gravada, não respondeu à pergunta e afirmou a vontade de agredir fisicamente o repórter. Tal intimidação mostra que Bolsonaro desconsidera o dever de qualquerservidorpúblico,não importa o cargo, de prestar contas à população.

Durante os governos de todos os presidentes, O GLOBO nãosefurtouafazerasperguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é informar os cidadãos. E continuará a fazer as perguntas que precisarem ser feitas, neste e em todos os governos”.

Quando perguntado sobre os repasses de Queiroz à primeira-dama, Bolsonaro, antes de fazer a ameaça, tentou rebater citando depoimento do doleiro Dario Messer, que, segundo reportagem da revista “Veja”, alegou, sem apresentar provas, ter mandado dólares para a família Marinho, dona do Grupo Globo. A família negou as acusações. Em nota divulgada na ocasião, informou que nunca houve contas no exterior ou operações de câmbio não declaradas às autoridades brasileiras.

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Por que recebeu R$ 89 mil?”: nas redes sociais, pergunta viraliza

24/08/2020

 

 

REPRODUÇÃO/TWITTERCharge. Cartunista Laerte ilustrou o questionamento das redes a Bolsonaro

O ataque verbal dirigido pelo presidente Jair Bolsonaro a um repórter do GLOBO desencadeou uma corrente virtual que envolveu famosos e anônimos, incluindo artistas, jornalistas, intelectuais e influenciadores digitais. Nas redes sociais, milhares de internautas compartilharam a mesma mensagem, questionando Bolsonaro sobre os repasses feitos por Fabrício Queiroz à primeira-dama Michelle.

“Presidente Jair Bolsonaro, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”, dizia a mensagem, que mencionava o perfil oficial de Bolsonaro no Twitter.

Entre as personalidades que replicaram a pergunta nas redes sociais, estão o cantor e compositor Caetano Veloso; o ator, apresentador e humorista Fábio Porchat; as atrizes Patrícia Pillar e Paolla Oliveira; o ator e humorista Gregório Duvivier; o youtuber Felipe Neto; a cantoras Anitta e Teresa Cristina; e a cartunista Laerte.

Bolsonaro ameaçou o repórter durante um passeio por Brasília, após ser perguntado sobre cheques em nome de Queiroz, ex-assessor de Flavio Bolsonaro investigado pela prática de “rachadinha”, que foram descontados por Michelle entre 2011 e 2016. O presidente não explicou a razão dos pagamentos feitos por Queiroz e também por sua mulher, Márcia de Aguiar, no valor total de R$ 89 mil.

Políticos que fazem oposição a Bolsonaro também replicaram a pergunta nas redes. Ciro Gomes (PDT), derrotado por Bolsonaro nas eleições de 2018, referiu-se ao presidente como “covarde” ao compartilhar o questionamento. O senador Major Olimpio (PSL-SP), ex-aliado de Bolsonaro, afirmou em suas redes sociais que gostaria de fazer a pergunta “olhando nos olhos” do presidente.