O globo, n. 31794, 24/08/2020. Economia, p. 21

 

Orçamento sem bloqueio

Manoel Ventura

24/08/2020

 

 

Em 2021, teto de gastos será o único freio a despesas, e pastas disputam verbas

 Uma situação inédita deixará o teto de gastos (regra que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior) como o único mecanismo a colocar um freio nos gastos da União em 2021. Em razão das incertezas criadas pela pandemia, o governo decidiu adotar uma meta flexível como resultado das contas públicas no próximo ano.

Na prática, isso vai acabar como contingenciamento, o bloque iode recursos dos ministériosque ajuda o governo a dosar despesas de modo a cumprira previsão para o ano. O efeito da mudança foi acirrarasdisputas em torno do Orçamento de 2021, afinal quem obtiver recursos terá a certeza de que poderá usá-los. De ou trolado, reforçou o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, em defesa do teto de gastos como a principal âncora e referência para o mercado dos gastos públicos federais. É a primeira vez, desde 2000, quando foi sancionada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que o investidor não se guiará pela meta anual.

No próximo ano, o teto de gastos será de R $1,485 trilhão, um crescimento de R$ 31 bilhões na comparação com 2020. A maior parte do espaço do teto será consumida por despesas obrigatórias, como aposentadorias e salários, o que reduz acada ano o Orçamento para investimentos e serviços.

Por isso, a regra do teto tem sido alvo de disputas internas do governo, já que ministros buscam mais espaços para gastar com o bra sem serviços no próximo ano. O Ministério da Economia tem reforçado nessas conversas que o te toé o único parâmetro para os gastos federais em 2021.

EMENDAS PARLAMENTARES

O bloqueio de recurso sé chamado tecnicamente de contingenciam entoes e tornou comum nos últimos anos. Ele ocorre todas as vezes em que há frustração de receitas. Sem isso, o Orçamento que será enviado pelo governo no próximo dia 31 e aprovado pelo Congresso até o fim do ano poderá ser inteiramente executado, sem nenhuma restrição para os gestores.

O bloqueio de recursos, que vinha sendo feito nos últimos anos, incide nas despesas sobre as quais o governo tem controle, especialmente investimentos e manutenção da máquina pública, chamadas de discricionárias.

Com a nova regra, as disputas em torno dos gastos protagonizadas pelos ministros para o Orçamento de 2021 ganhou ainda mais relevo. Um recurso disponibilizado para uma estrada, por exemplo, não será contingenciado. Além disso, os parlamentares que apresentarem emendas ao Orçamento saberão que as chances de verem essas obras executadas são grandes.

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse ao GLOBO que o teto de gastos já se configurou neste ano como uma âncora para as contas públicas:

—Em 2021, o teto de gastos continuará sendo uma super âncora. No ano que vem, em razão da novidade prevista no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), que considera a meta fiscal como sendo a despesa prevista para o teto de gastos menos a receita, nenhum ministério vai ter R$ 1 contingenciado — diz o secretário, lembrando que o contingenciamento não representa corte de gastos, apenas provisionamento.

Rodrigues ressalta que Guedes e a equipe defendem integralmente a necessidade de manutenção do teto de gastos. Todo o Orçamento estará baseado nesta regra fiscal, que estabeleceu as despesas num patamar fixo. O resultado das contas públicas vai depender do desempenho da arrecadação, já que a despesa estará travada.

Na prática, é como se não existisse meta de resultado das contas públicas, a chamada meta fiscal, sendo o teto a única âncora. Geralmente, os contingenciamentos existem porque a receita projetada pelo governo é menor do que a arrecadação quede fato aconteceu. Para atingiram eta fiscal fixada em lei, o governo bloqueia recursos e os libera na medida em que a situação melhora.

Esse processo de contingenciamento e liberação de recurso sé feito acada dois meses, em relatórios nos quais a equipe econômica avalia o comportamento das despesas e as previsões de receita. Se a previsão para a receita cai, é editado um decreto com bloqueio de recursos no Orçamento para atingiram eta fiscal.

Até o ano passado, o governo tinha poder para definir quais áreas teriam maiores ou menores bloqueios de recursos. A partir deste ano, seria adotado um modelo de contingenciamento linear por ministério —e, a partir daí, cada pasta definiria quais projetos seriam afetados. A pandemia do novo coronavírus, porém, fez o Congresso, apedido do governo, decretar o Estado de Calamidade Pública, que permite à equipe econômica não fazer contingenciamentos.

No próximo ano, o relatório bimestral vai continuar existindo. Mas, no lugar de indicar uma necessidade de contingenciamento, elevai apontar um novo resultado para as contas (que é uma conta de receitas menos despesas, sem contar o pagamento dos juros da dívida).

Isso vai ocorrer porque, para 2021, os técnicos da equipe econômica estão com dificuldades para fazer projeções, tendo em vista as incertezas do cenário causada pela pandemia, em que as previsões mudam acada semana. A projeção de arrecadação é feita com base na previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) e outros indicadores, além de receitas como concessões e privatizações. Essas previsões estão incertas não só para o governo, mas para o mercado.

META ATRELADA A CENÁRIOS

Para evitar revisões consecutivas do número caso a economia tenha um desempenho diferente do que o previsto hoje pelo governo, a decisão foi adotar uma meta flexível, que deve ser atualizada acada dois meses, sem necessidade de autorização do Congresso. A autorização pré viados parlamentares para essa mudança está no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, que traz os parâmetros para o Orçamento.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo é obrigado afixa rumam eta fiscal, colocando em lei estimativas par avariáveis como PIB e inflação, que impactam tanto nas receitas como nas despesas. O Brasil já teve bandas para a meta fiscal ao invés de um número fixo, mas o mecanismo adotado é novo, ao vincular as metas a cenários econômicos.

—O governo adotou a estratégia de deixa rameta flexível (em 2021) por contadas incertezas. Agente tem uma âncora no teto e uma incerteza muito grande para a arrecadação — diz Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente. — Com isso de fato só sobra o teto. Acaba depositando toda a confiança no teto.

O rombo das contas neste ano deve ficar em R$ 800 bilhões, por causa das medidas adotadas para combater o coronavírus. Isso vai ser financiado como aumento da dívida, mas os investido ressabem que é uma situação excepcional. O problema é a sinalização de longo prazo. P orisso, a preocupação da equipe econômica.

AS AMEAÇAS AO TETO DE GASTOS

Mais recursos para obras

Liderados por Rogério Marinho (foto), ministro do Desenvolvimento Regional, integrantes do governo querem mais dinheiro para obras, com o objetivo de elevar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro.

‘Debandada’ e defesa da regra

Depois da saída de dois secretários, movimento classificado por Guedes como “debandada”, Bolsonaro chamou parlamentares e ministros para defender o teto de gastos e a agenda de reformas.

Possibilidade de reajuste

O Senado derrubou o veto de Bolsonaro à possibilidade de aumento para servidores. O governo conseguiu reverter a derrota na Câmara e manteve congelados os salários do funcionalismo até o fim de 2021.