O globo, n. 31795, 25/08/2020. País, p. 8

 

Após ataque, a mentira nas redes

Daniel Gullino

Fernanda Alves

Marlen Couto

Paula Ferreira

25/08/2020

 

 

Agressão de Bolsonaro a jornalista foi sucedida por fake news de seus aliados

 Um dia após ameaçar um repórter do GLOBO, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar a imprensa durante evento no Palácio do Planalto e usou o termo “bundão” para se referir a jornalistas. Nas redes sociais, aliados do presidente espalharam uma versão falsa sobre o episódio ocorrido no domingo, quando Bolsonaro se recusou a responder uma pergunta sobre depósitos feitos pelo ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro.

O vídeo editado, acompanhado de uma legenda falsa, compartilhado por apoiadores do presidente foi checada pelo Fato ou Fake. A versão mentirosa afirma que o repórter teria dito: “Vamos visitar sua filha na cadeia”. Na verdade, um ambulante aparece fazendo um convite ao presidente em meio aos questionamentos do jornalista. “Vamos visitar nossa feirinha da catedral, presidente”, afirma o homem, mais de uma vez. A versão mentirosa foi compartilhada primeiro pelo site Terra Brasil Notícias.

A mensagem falsa foi compartilhada por apoiadores de Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia, o blogueiro Allan dos Santos — alvo do inquérito das fake news no STF —, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O filho do presidente, mais tarde, apagou a publicação do seu perfil no Instagram.

Um levantamento do GLOBO com base em dados da plataforma CrowdTangle identificou ao menos 169 vídeos no Facebook com a legenda falsa publicados até as 18h de ontem. Ao todo, eles geraram 707,6 mil visualizações. A publicação mais vista, com 25,7 mil, era do deputado federal Éder Mauro (PSD-PA), integrante da CPI das Fake News. Assim como Eduardo Bolsonaro, outros aliados do presidente também apagaram o vídeo após publicarem.

Éder Mauro chegou a comentar na publicação que a imprensa tirou o vídeo de contexto. Há menos de uma semana, o parlamentar foi condenado pelo STF por difamação, após alterar um discurso do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) que divulgou no Facebook. A versão editada atribuía a Jean Wyllys falas preconceituosas contra negros e pobres.

MAIS UM ATAQUE

Na manhã de ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar os jornalistas, desta vez numa cerimônia para defender o uso precoce da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Ao falar sobre os efeitos brandos da doença em seu organismo por, segundo ele, sempre ter sido atleta, o presidente criticou a imprensa.

— Aquela história de atleta né, que o pessoal da imprensa vai para o deboche, mas quando pega num bundão de vocês a chance de sobreviver é bem menor. Só sabe fazer maldade, usar a caneta com maldade em grande parte —disse.

Bolsonaro utilizou o termo “histórico de atleta” em março, em um pronunciamento em rede nacional de televisão e rádio, ao afirmar que, se contraísse o coronavírus, não precisaria se preocupar.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou a atitude do presidente de “reação desproporcional”.

— Claro que, muitas vezes, a pergunta que vocês fazem a gente não gosta. É da natureza humana. Mas não cabe uma reação desproporcional como a do presidente — disse Maia. — Uma frase como essa, vinda do presidente, gera um impacto negativo internamente e externamente.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) enviou representação ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo abertura de inquérito para investigar a ameaça feita por Bolsonaro. O senador também recorreu à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e pediu o envio de observador internacional “para monitorar a segurança de que se fazer jornalismo no Brasil, à luz da importância de tal função à manutenção de ares democráticos nos estados americanos”. A imprensa internacional repercutiu o ataque do presidente.

O relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para aliberdade de expressão, Edison Lanza, criticou a hostilidade do presidente Jair Bolsonaro ao repórter do GLOBO. Ao colunista Guilherme Amado, da revista Época, Lanza afirmou que o país deve receber uma missão da entidade.

— Não consigo encontrar um exemplo da hostilidade mais grosseira de um alto funcionário à imprensa e de expor o jornalista à violência —afirmou Lanza, no Twitter.

À noite, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, utilizou as redes sociais para dizer que havia conversado com o presidente e que “a paz continua”. Faria é um dos incentivadores da postura de menor enfrentamento adotada pelo chefe desde junho.